Ficou – minha memória da cidade,
o tempo – há que tempos?
em que descia o Chiado
de volta da Faculdade.
Não vinha só. Nesse tempo
as pessoas conversavam,
não corriam, passeavam
com colegas, com amigos.
Havia tempo – há que tempos!
Sorríamos aos pombos no Camões,
espreitávamos luxos nas vitrinas
das lojas requintadas, que nos eram
o posterior ecrã televisivo,
só mais inacessíveis e mais finas.
As livrarias que nos fascinavam
a Bertrand, Sá da Costa, Portugal
colavam-nos às montras
ou, então, era o nosso passeio cultural
entrar e folhear as novidades
e muito amável, sempre, o pessoal
apontava doutores,
celebridades,
que às vezes eram nossos professores.
Faiscavam cristais, ouros e pratas,
maravilhosos raios de beleza:
inacessíveis e desnecessários
à nossa singeleza.
Olhávamos também os grandes armazéns:
O Grandela, o Chiado, onde todos os sonhos
se podiam tornar realidade,
até porque esses sonhos eram só os possíveis.
Não se comprava a crédito.
Só de acordo com as economias disponíveis.
Entrávamos, por vezes, no Café Chiado,
que já desapareceu,
- quase só os rapazes –
e lá íamos, felizes e a pé
ver, no Rossio, os lagos e as floristas
e, subindo a Avenida, parando aqui, ali,
o culminar perfeito desse dia,
a matiné clássica das terças
no cinema de culto: o Tivoli.
*
É a minha memória da cidade
desse tempo – há que tempos: reactiva,
nítida e mágica, nostálgica, feliz,
uma realidade que passou,
que o incêndio e o tempo devorou
mas que em meu coração é sempre viva.
Clementina Relvas
(Agosto de 2008, 20 anos após o incêndio do Chiado)