Meus queridos netos:
Se eu perguntar quais as festas de que mais gostam, tenho quase a certeza de não me enganar na vossa resposta:
Em primeiro lugar a festa para assinalar o vosso aniversário para a qual convidam alguns familiares e sobretudo os amigos da vossa idade. O que nela mais vos interessa são as prendas, que avidamente desembrulham para lhes dar uma olhadela e logo as abandonar, que já todos os meninos estão à espera das brincadeiras.
Também vos interessa o lanche, em que vos mimoseiam com salgados, doces, gelados, sumos e champomy para fazerdes as saúdes como é hábito dos adultos. Isto quando não vos levam a um Mac Donald. ou outro sítio que ofereça um espaço para os vossos jogos. Ofereça, é como quem diz, pois na maioria dos casos, são bem pesados para a bolsa dos vossos Pais.
Outra festa que também aguardam com ansiedade é o Natal quase pelos mesmos motivos: os presentes, sobretudo os presentes, pois em geral não podem contar com os amigos, entretidos a viver a sua própria Festa e quanto a comidas, torcem o nariz ao peru, às rabanadas e ao arroz doce que tudo isso trocam de bom grado por um hamburguer ou um cachorro.
É claro que gostam de enfeitar as árvores de Natal, de a verem cintilante de luzes e de bolas coloridas. Talvez até acham indispensável colocar ao pé da árvore um presépio, onde Nossa Senhora e São José bem como a vaca e o burrinho, são as únicas companhias do Menino Jesus, pelo menos até chegarem os pastores e os Reis Magos. Mas quem é para vós, o Menino Jesus? E porque é que Ele também entra na Festa? Que Ele é o Filho de Deus, que tomou a forma humana e morreu para nos salvar, escapa-vos completamente. Até porque ignoram da mesma forma quem é Deus, criador do Céu e da Terra e que reserva, para os que O amam, um lugar a Seu lado no Céu.
Mas eu não pretendo, pelo menos aqui, dar-vos uma lição de catequese que actualmente muitos meninos ignoram o que seja.
Eu queria era falar-vos das Festas da minha infância, que nunca se varreram nem varrerão da minha memória.
A Festa dos anos? Não fazíamos a menor ideia do que fosse. Que eu me lembre, nunca nenhum menino, na aldeia da minha infância festejou esse dia, que passava, como qualquer outro, sem deixar rasto nem sinal. Era como se o tempo fosse um contínuo na ânsia de nos fazer mais velhos.
Mas havia Festas, sim, e que nos punham em grande alvoroço:
O Natal começava com a chegada dum pinheirinho que o meu Pai ia buscar ao nosso pinhal, procurando o que menos espaço tinha para crescer, encostadinhos aos outros. Enfeitávamo-lo com algumas estrelas, por nós recortadas em papel de prata, grinaldas em papel branco em que muitos anjinhos se davam as mãos – fazem isso na Escola que eu já vi – e alguns bugalhos que a muito custo conseguíamos atar e pendurar aqui e ali. Por detrás da árvore a minha Mãe colocava, em lugar seguro, um candeeiro de petróleo que ela apagava quando nos íamos deitar, por causa dos incêndios.
Também tínhamos um presépio: era uma cabana em madeira feita pelo meu Pai, com colmo a fazer de telhado. Uma das nossas maiores alegrias era irmos ao campo apanhar o musgo que de há muito tínhamos considerado como o melhor e com ele forrar o chão do presépio que era constituído por vários degraus, onde ficavam colocadas as toscas figurinhas de barro, compradas na feira quando o meu irmão mais velho fez dois anos e que iam desde os pastores e as suas ovelhinhas aos Reis Magos com os seus presentes que totalmente desconhecíamos o que fossem, principalmente a mirra que nunca tínhamos visto. Havia também um galo lá no alto dos degraus, e junto ao Menino Jesus, deitado na manjedoura e guardado pelos Pais e aquecido pelo burrinho e a vaca. Espalhados no cenário, cães, gatos, pintainhos e outros animais nossos conhecidos que, não sei porquê, o meu Pai comprara com um desapego ao dinheiro que lhe não era habitual.
Mas como todos nós frequentávamos a catequese, sabíamos que aquela era a festa de anos, do Menino Jesus, Filho de Deus e Nosso Salvador e por isso todos os dias, juntos com os nossos Pais, O adorávamos rezando.
A noite do Natal era outro momento mágico: sentados frente à lareira, rodeando a minha Mãe, víamos crescer o alguidar das filhoses ou coscorões, que passados por açúcar e canela ou mergulhados, quando ficavam mais duros, numa calda de açúcar perfumada com casca de limão e canela, iriam dar para toda a semana os que sobravam da Ceia de Natal. Esta era sempre feita de bacalhau cozido com batatas e couves tronchas e de polvo também cozido ou em arroz malandrinho.
A mesa era um nunca acabar de gulodices: nozes, religiosamente guardadas para esse dia, algumas das primeiras laranjas do ano, figos secos e pinhões que nós próprios extraíamos das pinhas e das cascas e que, além de saborearmos com gosto, serviam para jogar ao par ou pernão (ímpar) até cairmos de sono, felizes por uma Festa tão bonita.
Até à próxima!