Meu querido neto Zézinho:
Hoje quem fala é o Vôvô para explicar por que motivo a Vóvó, desde o dia 6 de Agosto, não escreve a sua habitual carta aos netos. E também por que razão esta carta é dirigida especialmente ao netinho mais novo e não aos dois como de costume.
É bem simples: É que a Vóvó mais a netinha Cristina, tua prima, e o Vôvô, nós os três, estivemos ausentes de Portugal, mais propriamente fomos a Berlim que é a capital da Alemanha. Fazer o quê? perguntarás tu, quando fores mais crescido e conseguires ler esta carta do Vôvô. Nessa altura já deves saber que a tua Prima Cristina tem ascendência alemã, que a bisavó dela era uma senhora alemã casada com um português e saberás até, que foi uma das fundadoras da Escola Alemã em Lisboa, frequentada pela tua Prima antes de se fixar no Algarve, onde também há uma Escola Alemã onde ela continua a estudar. Por isso fala correctamente a língua alemã. Quisemos então que ela fosse conhecer a capital do país dos seus antepassados e, simultaneamente, nos servisse de cicerone, já que os conhecimentos dos teus avós em língua alemã são nulos. E cumpriu bem a sua missão: assim que entrámos num táxi, no aeroporto de Berlim, estabeleceu logo uma conversa fluente com o motorista alemão, que durou todo o percurso até ao hotel onde ficámos, no centro da cidade!
Da nossa parte, também havia o desejo de comparar a Berlim actual, unificada após a queda do Muro, principalmente com a parte oriental, na altura dominada pela RDA, assim se chamava a zona da Alemanha que ficou sob o regime soviético e que tivemos a ocasião de visitar em 1976.
E o que é isso do Muro, perguntarás tu ainda?
Ora, aqui torna-se necessário fazer-te um pequeníssimo resumo da História do tempo em que o Vôvô era rapaz até aos nossos dias.
Nos anos trinta do século passado, instalou-se na Alemanha um regime tirânico, denominado nazismo, cujo líder foi um dos maiores assassinos da História, chamado Adolfo Hitler. Começou por perseguir os muitos judeus que viviam na Alemanha, mandando-os para os chamados campos de concentração, onde eram dizimados por processos horríveis. Com um forte dispositivo militar, invadiu a Europa quase toda, aliando-se mais tarde ao regime fascista da Itália.
Assim começou a II Guerra Mundial: Dum lado os nazis da Alemanha, os fascistas da Itália e, mais tarde, o Japão. Do outro, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos da América, a França, a União Soviética (Rússia) e grande parte do resto do mundo, os denominados “Aliados”.
A Espanha e Portugal, ambos dominados por ditaduras, mantiveram-se neutros: Oliveira Salazar que era quem mandava no nosso país, foi jogando com “pau de dois bicos”, ora ajudando os aliados, permitindo-lhes estabelecer bases nos Açores, por exemplo, ora os nazis, fazendo atravessar a fronteira comboios e camiões carregados de víveres e diverso material, que muita falta nos faziam, pelo que sofremos também muitas privações. Este difícil período mereceu já a atenção da Vóvó numa carta anterior, pelo que não desenvolvo mais este assunto.
Felizmente os Aliados venceram. A II Guerra Mundial terminou em 1945, já com a Alemanha derrotada e quando os americanos lançaram duas bombas atómicas no Japão, que teimava
Deu-se então o tratado de Yalta, mais tarde confirmado pelo de Potsdam, que determinaram a divisão da Alemanha em quatro partes a saber: a francesa, a inglesa, a americana e a russa, que mais tarde, na prática, se transformaram em duas, a Ocidental, dando origem à RFA (República Federal Alemã) e a Oriental, RDA (República Democrática Alemã). A primeira ficou sob o regime adoptado pelos aliados e a segunda sob a alçada dos soviéticos, ou seja dos comunistas alemães.
Como Berlim, a capital, ficava enclausurada na zona soviética, os aliados impuseram que a cidade fosse também dividida em quatro partes, que depois viriam a constituir a Berlim Ocidental e a Berlim Oriental.
Porém, em 1961, os soviéticos começaram a construir um Muro, na linha que separava as duas partes de Berlim, impedindo assim qualquer contacto entre as populações dum e doutro lado. Houve tentativas de fugas do oriente para o ocidente, umas bem sucedidas e outras não, com fugitivos a serem mortos a tiro pelos guardas alemães comunistas.
Assim se manteve a cidade, dividida, durante vinte e oito anos, até que em 1989, quando se deu o colapso da União Soviética, o Muro acabou por ser derrubado, com grande alegria de todo o mundo livre.
Havia um ponto no Muro, por onde se faziam as passagens de um para o outro lado, devidamente autorizadas pelos orientais, claro: o famoso “Checkpoint Charlie”.
Foi por este ponto que os teus avós, na tal viagem turística de 1976, entraram
Por isso a nossa curiosidade era imensa: ver novamente Berlim, agora unificada e livre. E as nossas expectativas não foram goradas. Encontrámos uma capital fervilhante, com grandes Centros Comerciais, o Europa Center e o Ka De We, por exemplo. Visitámos a enorme e extraordinária cúpula do Parlamento, através de rampas interiores e suaves até chegarmos ao cimo, donde se desfruta um panorama
formidável desta cidade de mais de três milhões e meio de habitantes. Fomos almoçar na alta torre da TV, cuja placa onde assentam as mesas do restaurante rodam constantemente, mostrando a cidade em redor, demorando cada volta meia-hora.
Os grandes Museus, que se encontravam na parte oriental do tempo dos soviéticos, não puderam ser visitados porque estão
Quando do Muro, o centro do Berlim antigo, o Alexanderplatz, estava completamente degradado. Hoje voltou a ser um dos vários centros nevrálgicos da cidade, onde estão a construir grandes edifícios, como hotéis, bancos, etc. Outra zona oriental, encontrada completamente abandonada, a Potsdamerplatz, era uma espécie de “Terra de Ninguém”. Depois da queda do Muro, mereceu a atenção dos maiores arquitectos e engenheiros do mundo, e nela surgiu o gigantesco e moderníssimo Sony Center, autêntica obra-prima das novas tecnologias, principalmente no que respeita à arquitectura.
Quanto à parte ocidental, Berlim continua a ser um enorme e muito bem cuidado jardim, com parques e até verdadeiras florestas dentro da cidade, como o Tiergarten, atravessado por um longo canal navegável, Landwehr Kanal, serpenteando dentro dela e formando imensos lagos e laguinhos.
Todas as avenidas e ruas possuem faixas próprias para ciclistas, nas quais o peão deve ser cuidadoso, tal o movimento de bicicletas. Até pode ser “atropelado” por alguma, pois andam com aceitável velocidade...
Toda a cidade, seja nas ruas, seja nos Centros Comerciais, seja nos Museus, em todo o lado, é percorrida por verdadeiros “formigueiros humanos”, frase a que tua Prima Cristina achou imensa graça quando a empreguei. Ela não se cansou de tirar fotografias e de filmar e até escreveu um Diário de Viagem.
O verdadeiro Centro da parte Ocidental continua a ser a zona do Zoo, onde confluem muitas linhas ferroviárias e grande parte das carreiras de autocarros. É ali que encontramos o Europa Center e o Ka De We de que já falei e a famosa ruína da Igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche, que considero o símbolo de Berlim, como a Torre de Belém é para Lisboa.
Outro dos símbolos é a célebre Porta de Brandeburgo, para lá da qual não se podia passar no tempo dos soviéticos, mas hoje, restaurada e totalmente aberta e animada de gente.
A ideia que nos ficou de Berlim é a de que a Alemanha continua a ser um forte motor da União Europeia, a que Portugal pertence, que aumentará ainda mais no futuro.
Quando fores mais crescido e andares no ensino secundário, vais ter ocasião de estudar a História de Portugal e não só. Material não te faltará, livros, programas de televisão, filmes e, principalmente, Internet. Aconselho-te vivamente a História Contemporânea, hoje tão mal estudada, porque é quase sempre dada à pressa no fim dos anos lectivos. Então terás uma visão mais ampla do que foram os horrores do nazismo, do sovietismo e do fascismo, regimes que vigoraram na maior parte das vidas dos teus Vóvós.
Beijinhos do Vôvô. A Vóvó diz que volta muito em breve.