Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Sábado, 29.09.07

 

 

Meus queridos Netos:

 

 

            A propósito da nossa recente viagem a Berlim, contei-vos, numa carta anterior (releiam “Berlim, trinta e um anos depois e  também “Hoje quem fala é o Vôvô”), como foram as nossas peripécias quando, em 1976, visitámos a Alemanha e a cidade de Berlim, ambas nesse tempo divididas em duas partes, uma Ocidental e outra Oriental, esta sob o regime soviético. Por isso, limito-me agora a fazer esta simples referência ao facto e passar adiante.

 

Continuando com a narrativa das minhas viagens por este mundo fora, falo-vos agora da nossa visita à Grécia, em 1979, onde, além de Atenas e as suas maravilhas, visitámos o Corinto de S. Paulo, Micenas e a Porta dos Reis, o magnífico anfiteatro de Epidauro, o cabo Sounion avançando pelo mar dum azul cobalto como não vi em mais lado nenhum e três ilhas gregas próximas do porto de Pireu, que me aguçaram o apetite para um cruzeiro a outras, espalhadas pelo Mediterrâneo, desejo que ainda não concretizei.

 

Da Grécia trouxemos, além do enriquecimento cultural, algumas amizades que ainda hoje perduram. Que as viagens também são isso: conhecermos o  mundo e o outro na sua diversidade.

 

Na viagem de regresso a Portugal, num grande e luxuoso avião Jumbo, da Companhia South Africa, aconteceu algo sem graves consequências a não ser uma aterragem não prevista em Roma. Uma avaria no ar condicionado, denunciada pelo “fumo” que se espalhou no interior do avião, levou a tripulação a tomar essa decisão. Estivemos três dias instalados num hotel, em Ostia, localidade próxima de Roma, por conta da Companhia, até que a avaria fosse reparada. Tínhamos estado em Roma no ano anterior, como vos contei na carta anterior a esta, e agora, inesperadamente, vimo-nos novamente a visitar as belezas daquela maravilhosa cidade. No Vaticano, o Papa já era outro, João Paulo II. Pude até servir de “Guia” a alguns dos nossos companheiros de viagem que não conheciam a cidade! No ano anterior tínhamos estado a atirar moedas, na fonte de Trevi para, segundo alguns crêem, voltar a Roma, o que não estava nada nas nossas previsões. E ali estávamos nós, eu e o Vôvô, a acharmos graça à extraordinária coincidência!

 

Mais uma vez por amabilidade da Maria José, passámos três semanas em Estugarda, no sul da Alemanha, tão diferente do Norte de que conhecemos Hamburgo, algumas outras cidades e uma praia no Mar do Norte, onde as ovelhas iam pastar junto ao mar...

 

Estugarda é uma cidade acolhedora, moderna e tem, entre outras coisas, um Zoo, o Wilhelmina, famoso não só pelos animais que alberga como pelos seus belíssimos jardins, utilizados como zonas de lazer.

 

De Estugarda demos um salto ao norte da Itália, numa excursão de disciplinados alemães que, mal chegaram, invadiram as esplanadas de Stresa, mais interessados pelo sol e pela cerveja do que por passeios culturais ou outros. N´s, sempre desejosos de conhecer coisas novas, fomos visitar, no Lago Maior, um palácio de conto de fadas que ocupa toda a superfície de Isola Bela, a ilha dos enamorados.

 

Mas avancemos para outro continente, vamos até à Turquia: Veremos Istambul com jóias como a mesquita de Santa Sofia ou o museu Kopkapi e, já na Ásia, Esmirna, a capital Ancara, com o fabuloso museu da Anatólia e sobretudo a Capadócia. É a região das chaminés de fadas, resultado da erosão, das casas e templos cavados na rocha, e do Lago Pamukale, com as suas piscinas de água quente ornamentadas por estalactites calcárias que são um deslumbramento.

 

No norte de África visitámos o Egipto, não só o Cairo com as suas grandes pirâmides e um trânsito desgovernado e barulhento de deixar zonza qualquer pessoa, mas também integrados num cruzeiro no Nilo, as cidades das margens do mítico rio, desde Abu Simbel, salva das águas da barragem do Assuão, até Luxor, Tebas, o Vale dos Reis, jazida de tantas personagens célebres da história antiga daquele país, cujos túmulos agora se encontram despojados das riquezas que albergavam, graças à curiosidade científica dos arqueólogos e à ganância dos caçadores de tesouros, perseguidos pela lei.

 

Não posso deixar de referir o túmulo de Tutankamon cujo triplo sarcófago, todo de ouro o que contacta o exterior, visitámos no museu do Cairo.

 

E agora, ala que se faz tarde, dirigimo-nos à América do Sul. O Brasil, onde fizemos um circuito extenuante, de avião, durante quinze dias, visitando Recife e Olinda, Salvador da Baía, Brasília, Belo Horizonte e Ouro Preto, S. Paulo e Rio de Janeiro, deixou-me três recordações inolvidáveis: Brasília e os seus modernos edifícios, de que ressalta a imponente catedral, as Cataratas do Iguaçú, que me foi dado admirar também do lado da Argentina e o Rio de Janeiro, com a sua baía maravilhosa, o Cristo do Corcovado, proposto este ano como uma das novas maravilhas do mundo, e a sua praia de Copacabana, onde ficava o hotel que nos acolheu. Como só lá passámos três dias, ficámos sempre com vontade de voltar, o que não creio venha a acontecer, dada a violência que agora se apoderou da cidade, que já naquele tempo não era segura.

 

Entretanto o México. Foi uma das mais maravilhosas viagens da minha vida, a única, com grande pena minha, em que não fui na companhia do Vôvô. Fui com a tua Oma, Cristina, em substituição da tua Mami que não pôde aproveitar, por motivos profissionais, a viagem já comprada.

 

No México foi tudo um deslumbramento para mim: a Cidade do México, a sua fabulosa catedral, ao lado o Palácio do Governo com os incomparáveis painéis de Rivera, o Museu de Antropologia e a moderna e imponente Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Perto da cidade, as pirâmides de Teotihuacan, a do Sol e a da Lua, impressionantes testemunhos da civilização Asteca.

 

Depois, como a nossa viagem de quinze dias incluía cidades do interior, maravilhámo-nos com Txaco, a cidade da prata, Mérida e Oaxaca, todas ostentando influências espanholas. E pirâmides por todo o lado, entre as quais merece especial menção a de Chichén Itzá, perfeitamente conservada como quando servia de observatório astronómico, de santuário e de centro do poder civil e religioso. Mais mundano Acapulco, com uma baía a lembrar a do Rio de Janeiro. Aí fizemos um passeio de barco para ver, do mar, casas de celebridades de Hollywood  que aí as construíram quando aquela cidade era o último grito da moda. E finalmente Cancum, uma península que mais não é do que uma fila de hotéis de renome no mundo inteiro, feita a partir de estudos de computador. Em Cancum, além da praia, só me seduziu Excaret, uma reserva natural onde há golfinhos, espectáculos tradicionais como o dos “voladeros” e, maravilha das maravilhas, os rios subterrâneos onde qualquer pessoa, munida de um obrigatório colete salva-vidas, pode nadar ao sabor da corrente. Também fiz essa experiência, uma das mais interessantes da minha vida, até porque exigiu uma certa dose de coragem, pois nunca fui grande nadadora.

 

Queridos netos, hoje fico por aqui porque esta já vai longa. Voltarei brevemente com mais viagens.

 

Beijinhos da Vóvó

 

 

 

publicado por clay às 01:17 | link do post | comentar | favorito
Quarta-feira, 26.09.07

                                                

            Meus queridos Netos:

 

            Um dos grandes prazeres da minha vida, bastas vezes repetido, tem sido viajar. Infelizmente tenho-o feito sobretudo através de excursões, organizadas por Agências, mas também tive o privilégio de passar mais demoradamente por algumas cidades.

 

            Não é minha intenção maçar-vos com descrições de sítios, aliás lindíssimos, que conheci, pois para isso existem não só livros específicos como, actualmente, milhentas páginas na Internet com informações, fotografias e tudo o mais que se possa desejar.

 

            Limitar-me-ei a dar-vos conta de emoções por mim sentidas e sempre partilhadas pelo Vôvô.

 

            Não seguirei rigorosamente a ordem cronológica, mas procurarei dar-vos uma ideia de como, na medida das nossas limitadas possibilidades financeiras, procurámos fazer, das viagens pelo mundo, uma fonte de prazer e de conhecimento.

 

            Assim, tirando o mês que, graças a uma bolsa de Faculdade, passei em Pau e na região em que esta cidade está inserida, os Pirinéus, a primeira viagem que fiz foi a Madrid, pouco tempo depois do meu casamento com o Vôvô, para a nossa Lua de Mel. Aí visitámos museus e alguns locais de diversão, mas o que mais me impressionou, isto em 1958, foi o movimento nas ruas, cheias de gente quase até amanhecer. Fizemos um “Madrid à noite” e quando, por volta das seis da manhã, regressámos ao hotel, parecia que ninguém dormia naquela cidade.

 

            Depois fomos para Angola, onde eu fiquei cerca de dezassete anos – o Vôvô já lá tinha passado quatro, antes de me conhecer. Ao regressarmos de férias a Portugal, ao fim de sete anos, e como o Zé António só tinha cinco anos, feitos a bordo do navio que nos trouxe e o Quim ainda ia a caminho dos quatro, deixámo-los com os Bisavós de Portalegre que, com a ajuda de uma ama, não os deixaram sentir muito a nossa ausência de apenas oito dias, em que participámos numa excursão a Londres e à Holanda.

 

Londres foi um festival de surpresas, desde a arquitectura aos parques, do British Museum às lojas e à educação das pessoas. Amesterdão, se por um lado me chocou pela liberdade dos costumes, tão diferentes dos que conhecia, por outro deliciou-me comos seus canais, as suas flores, o Rijksmuseum e o “tour” que fizemos pelo país, por Haia, Volendam, Roterdão, etc.

 

Na segunda vinda a Lisboa, no que então se chamava a licença graciosa, os vossos Pais tiveram de ir para um colégio interno para não perderem um ano dos seus estudos, o que sucederia se fossem para o ensino oficial. As nossas viagens nesse ano, consistiram nas frequentes idas a Tondela, para visitar os nossos filhos. Lembro-me bem de que o nosso carro novo fez dezoito mil quilómetros só nessas férias. Na Páscoa fomos buscá-los ao colégio e fizemos um grande passeio em que percorremos Portugal do Algarve ao Minho com uma incursão na Galiza onde, em Santiago de Compostela, todos nos deslumbrámos com a Catedral, as sua cerimónias e o característico “bota-fumeiro”, pendurado da cúpula e puxado através de cordas por vários acólitos, que o balançavam de um lado para o outro da enorme nave do templo, espalhando o fumo do incenso que se consumia em louvor a Deus.

 

No entanto, depois de passarmos um mês em Portalegre, todos juntos, em Agosto fui fazer um Curso de aperfeiçoamento do Francês a Tours.. O Vôvô também se matriculou num nível menos avançado. Eu tirei grande proveito das aulas e conferências e ambos nos deslumbrámos com a visita a vários dos célebres Castelos do Loire e à Catedral de Chartres. Acabado o mês do Curso, partimos para Paris, cidade que só o Vôvô conhecia e aí passámos quinze dias repletos de visitas a museus, idas a espectáculos quase diariamente e contacto com os franceses que me pareceram pouco simpáticos, impressão que várias vezes confirmei, sem negar as excepções, claro.

 

Foi durante esta viagem que o Vôvô fez quarenta anos, festejados num acolhedor restaurante no Bois de Bologne. No regresso passámos por Bayonne, onde passámos alguns dias com a Milú e a família e com eles demos belos passeios.

 

De Angola, só regressámos a Portugal, em novo gozo de férias, em 1975, já depois do 25 de Abril, mas quando ainda julgávamos possível continuar a trabalhar naquela ex-colónia, onde ultimamente desempenhava a função de professora metodóloga, já com dirigentes angolanos no Ministério da Educação.

 

Durante essas férias, de apenas dois meses, fomos os quatro numa excursão a Londres e Escócia. O Quim, nessa altura com catorze anos, fez um diário desse passeio que ainda conservo, e que, se quiserem, um dia podem ler. Visitámos muitos museus e monumentos, conhecemos cidades muito diferentes mas cheias de interesse e beleza: Oxford, York, Edimburg, entre outras.

 

Em 1978 fizemos um circuito de doze dias pela Itália: fiquei apaixonada por Florença, pelo seu céu, pelo rio Arno e por incontáveis obras de arte nos museus e nas ruas. Admirei a grandeza e a riqueza do Vaticano e do seu museu, Capri encantou-me pela sua situação e o seu ambiente incomparável, subi – fui a única pessoa da excursão – à Torre de Pisa, recolhi-me em oração, em Assis, andei de gôndola em Veneza, mas o momento de maior emoção, experimentei-o, nesta cidade, na varanda da Catedral de S. Marcos, junto à quadriga e perante a grandiosidade e harmonia da praça fronteira.

 

 E aconteceu até que fui a Roma e vi o Papa, mas numa situação inesperada e rara. Passo a contar como foi: Setembro de 1978. Quando tomávamos o pequeno-almoço no hotel, aguardando o momento de ir receber a bênção papal, que fazia parte do programa da excursão, entrou na sala o nosso Guia que, com um ar um pouco alvoraçado, disse mais ou menos o seguinte: “minhas senhoras e meus senhores, já não há visita ao Papa porque ele morreu esta noite”. Pensámos que seria uma gracinha de mau gosto, porque o Papa João Paulo I tinha subido à Cadeira de S. Pedro apenas há cerca de um mês. Mas era verdade e não haveria, de facto, bênção papal. Fomos aconselhados a ir visitar a Basílica, cujas capelas laterais, incluindo aquela em que se expõe a famosa Pietá, iriam ser vedadas pelos crepes de luto. Assim fizemos e, após o almoço, corremos para o Vaticano, onde uma imensa mole de gente se acumulava já. Tivemos muitas dificuldades, a agitação era enorme e quase fui esmagada contra o gradeamento. Quando abriram as portas da Catedral, lá conseguimos entrar na fila e, vagarosamente, fomos avançando até chegar junto da essa onde fora colocado o corpo do Sumo Pontífice. E foi assim que vimos o Papa, mas morto. O Vôvô ainda conseguiu tirar duas fotografias sem flash.

 

Hoje fico por aqui. Prometo voltar e continuar a falar das minhas viagens.

 

Beijinhos da Vóvó

 

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Quarta-feira, 19.09.07

 

Meus queridos netos:

 

Ainda hoje quando penso nas minhas férias grandes, sinto o alvoroço daqueles tempos invadir-me o coração, pois até ao dia em que me casei, já com vinte e nove anos, sempre houve esses períodos de três meses que iluminavam todos os outros meses do ano, passados em Lisboa, longe da família.

 

Como era muito boa aluna, nunca tinha de fazer provas orais – ou raramente, em francês, por exemplo, pois tinha de mostrar como falava – e então mal chegava Julho, lá ia eu reencontrar não só os meus pais e outros parentes como também muitas outras pessoas, lugares e hábitos de que tantas saudades sentira.

 

Foi assim que aconteceu todos os anos, excepto num que vos passo a contar:

 

Tinham acabado as aulas – ainda eu vivia com os meus Tios – e mal tomei conhecimento das minhas notas, escrevi logo à minha Mãe, como era meu costume, a dizer em que dia tencionava chegar a casa.

 

Ora o meu Tio Armando, dos raros que tinha automóvel, andava há muito tempo a dizer que nas férias iríamos todos à aldeia. Todos era ele, a minha madrinha, sua irmã e eu, evidentemente. Quando soube da carta que eu tinha escrito, ficou muito zangado, sobretudo por eu não lhe ter dito nada sobre o assunto. E eu não o tinha feito porque ele era uma pessoa muito ocupada e não tinha nada definido sobre a data da tal viagem, que ora colocava num dia de Agosto ora noutro. Imaginem a minha inquietação, já sem aulas, separada de meus Pais há nove meses e com a perspectiva de passar mais um à espera da tal viagem de automóvel …

 

Mas o meu Tio foi inflexível:

 

- Então, menina, já não dá contas a ninguém da sua vida? Escreva imediatamente outra carta à sua Mãe a dizer-lhe que vai connosco de carro, logo que eu tenha oportunidade, o que julgo será nos princípios de Agosto.

 

Fiquei paralisada mas ainda consegui dizer:

 

- Ó Tio, e o que é que vou fazer neste mês de Julho, em que já não tenho aulas nem exames?

 

- O que vais fazer? É muito simples: vais substituir na cozinha a tua Tia, que bem precisa de algum descanso.

 

Ainda arranjei forças para retorquir:

 

- Mas eu não sei cozinhar!

 

- Não sabes, aprendes, que só te pode ser útil. Lá porque queres ser “doutora”, não significa que não venhas a precisar de cozinhar ou, pelo menos, de orientar uma empregada, se a tiveres. E ponto final. Amanhã começas a cozinhar em vez da Tia.

 

No dia seguinte, a minha Tia mandou-me fazer uma panela de sopa de feijão e legumes. Resignada, lá procurei seguir as suas instruções, mas como tive de aprender a fazer arroz de grelos e fritar carapaus, distraí-me da sopa que, a dada altura, já com pouca água, começou a pegar-se ao fundo da panela e encher a cozinha com um cheiro a queimado, o que nessa altura não sei porquê se chamava “bispo”. O resto, com a ajuda da minha madrinha, não me saiu muito mal mas a sopa estava quase intragável.

 

Com as lágrimas nos olhos, vi encherem-me o prato da malfadada sopa e dizerem-me que nada mais comeria nesse almoço, pois, dizia o meu Tio:

 

- Vais ver que nunca mais deixas esturrar a sopa.

 

E assim foi. Resignei-me à minha sorte e, a certa altura, não só já fazia uma comida muito aceitável, mas também comecei a ler receitas para variar um pouco e até, lá para o fim, me abalancei a fazer uma mousse de chocolate que não saiu mal e nos regalou a todos. O meu Tio não cabia em si de contente por ver que os seus métodos educativos estavam a dar bom resultado, com a ajuda mais ou menos disfarçada da minha Tia, diga-se em abono da verdade.

 

Mas o certo é que foi nesse mês que eu aprendi os princípios básicos da culinária o que, como o meu Tio vaticinara, me veio a dar muito jeito, sobretudo depois de casada e já em Angola.

 

Como o meu Tio tinha razão e como eu lhe agradeci o tão doloroso transtorno daquelas minhas férias grandes.!

Beijinhos da Vóvó

 

 

 

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Sexta-feira, 14.09.07

                      Meus queridos netos:

 

Esta casa dos bisavós, de que hoje vos vou falar, é a dos vossos bisavós paternos, pois os vossos pais nunca chegaram a conhecer a casa dos meus pais, de que já tanto falei noutras cartas.

 

A casa dos bisavós ficava numa rua apertada da cidade de Portalegre, que começava no Largo da Sé Catedral, na zona antiga da cidade. Era uma casa estreita e construída em altura: tinha dois quartos no rés-do-chão, empedrados e destinados a arrumos. Subia-se por uma escada até ao primeiro andar, com um quarto e a sala de visitas, daí para o segundo, onde ficava a cozinha, um quarto pequeno e a sala de jantar e continuava-se a subir até outro andar, o da casa de banho, mais um quarto de dormir e uma sala de engomados. Ainda se podia, por uma escada empinada e estreita, trepar a um terraço, onde em tempos houve um pequeno galinheiro, donde se tinha uma deslumbrante panorâmica sobre a cidade muito branca e sobre a serra, com as suas moradias também brancas a espreitar do arvoredo.

 

A cozinha era, e foi até ela ficar muito doente, o reino da Bisavó Inês: Aí cozinhava os seus óptimos manjares, desde as açordas ou “sopa gata”, até à deliciosa galinha corada em azeite ou um borrego feito na panela que não podia ter rival.

 

Embora, nos largos anos em que ela esteve em Timor, também, como diz o Vôvô, fosse perita em bolos e doces, quando eu a conheci já não tinha paciência para os fazer. Sabendo isso, da primeira vez em que viemos de férias, trouxe a minha batedeira, mas atrapalhei tanto a Bisavó ao invadir o seu território, que logo pus de parte as minhas boas intenções e resolvi ir todos os sábados, à casa das Martelas, duas irmãs que faziam bolos para fora e onde me abastecia para os lanches para o fim de semana: chá servido em finas chávenas de louça da China trazidas de Timor, os ditos bolos e paio de lombo, grande especialidade de Portalegre, queijo e pão da região que era óptimo. Frequentemente a Bisavó encomendava, com o pão, uns deliciosos bolos regionais: as boleimas, quadrados finos de massa de pão, recheados com açúcar mascavado e fatiazinhas de maçã. Ficavam tostadinhos e eram de chorar por mais.

 

O Bisavô José é que, sendo diabético e muito responsável, nunca alinhou nas guloseimas. Comprava-lhe nas Martelas uns pães achatados tipo “pita”, que levavam azeite e ele achava muito saborosos.

 

Quando, em 1965, viemos de Angola a Portugal, de férias, depois de uma viagem de luxo no paquete Infante D. Henrique, Zé e Quim conheceram Portalegre pela primeira vez, porque fomos para casa dos Bisavós. O Zé tinha feito cinco anos a bordo e o Quim ainda não tinha quatro. E logo o Bisavô lhes foi comprar, a cada um, como prenda, uma cadeirinha de madeira, pintada de azul e com florinhas à maneira alentejana, que tu, Cristina, muito bem conheceste e não serviu apenas para te sentares mas também para muitas brincadeiras, e dois pequenos guarda-chuvas pretos, porque as férias eram longas e também incluíam alguma chuva.

 

A primeira vez que o Bisavô os levou a passear, todo ufano de mostrar os seus netos aos amigos do Café Alentejano, viu-se e desejou-se para meter os dois na ordem. Daí em diante, passeavam muito com ele, mas ora um ora outro, nunca os dois juntos.

 

O Bisavô tinha uma propriedade rural, herança que recebeu da Mãe dele e que confinava com a dos Primos da Quinta da Broa, que também tinham duas filhas, embora mais velhas. Quando lá íamos visitá-los, sendo verão, havia por vezes boas almoçaradas à beira do grande tanque de rega, aproveitando a sombra das árvores que o ladeavam e o cheiro dos manjericos plantados pela Tia Florinda, irmã do Bisavô. Nessa altura, ainda podíamos contar com a presença da vossa Trisavó Casimira, já bastante velhinha, mãe da Bisavó, que viria a falecer alguns anos mais tarde, quando lhe faltavam apenas dois meses para completar os cem anos.

 

O Bisavô tinha, nas suas terras, um pequeno colmeal, que cuidava com esmero e que nos proporcionava um mel deliciosamente perfumado às ervas dos campos da Serra de S. Mamede e cercanias. E nada havia que os vossos pais mais gostassem do que ir ver o Bisavô tirar o mel, pois, para que as abelhas o não picassem, ele tinha de enfiar uma espécie de cota com capuz, com uma rede de metal a proteger-lhe a cara e nas mãos, luvas de borracha até aos cotovelos. Nós ficávamos de longe, a ver, não fôssemos confundidos com alguma flor pelas abelhas, desenfreadas, ao verem invadidos os seus domínios.

 

Havia por lá muita fruta (maçãs, laranjas, figos e até, na época própria, vistosas romãs com as suas coroas de princesa), que nós apanhávamos, comíamos ali mesmo e levávamos para casa.

 

Os vossos pais entretinham-se com os jogos de seu tempo, mas como a casa não era muito espaçosa, saíamos quase todos os dias para irmos a Castelo de Vide, a Marvão ou só até à Serra da Penha, onde havia um grande pinhal, com cujas pinhas, atadas umas às outras, se faziam fogosos cavalos que os punham a correr e a rir, muito divertidos. Também íamos a Lisboa, onde ficávamos na Casa de Santa Zita, ou até outras terras que tivessem motivos de interesse para eles, como, em Coimbra, o Portugal dos Pequeninos, um parque com miniaturas de casas e monumentos conhecidos e que ainda hoje existe.

 

De resto, passeávamos com a Bisavó na Corredoura, um jardim muito bonito com um lago e patinhos, por cujas alas de árvores ornamentais os vossos pais pulavam, jogavam à bola ou ao berlinde.

 

Quando saíamos para mais longe, às vezes a passar o dia e a comer um suculento lanche que a Bisavó arranjava, era certo e sabido que o Bisavô, uma hora, pelo menos, antes da partida, já estava de chapéu na cabeça e a contar os minutos, andando para trás e para diante, ansioso. Previamente já tinha avisado os seus companheiros do café, os catuas (velhos respeitáveis em língua timorense), como ele dizia, e tinha uma leve penalização pela falta: creio que era pagar, no dia seguinte, todos os cafés do seu grupo. E lá seguíamos nós, pelas estradas de Portugal, no nosso velho carocha Volkswagen, de óculo traseiro pequeno, vindo de Angola também de férias, que o Vôvô comprou um dia a um refugiado da guerra do Katanga!

 

Por duas vezes os vossos pais ficaram durante um mês com os Bisavós e uma empregada para os ajudar, enquanto nós íamos ao estrangeiro, mais concretamente a França, para eu aperfeiçoar o meu francês.

 

Da primeira vez, ao regressarmos a casa, ficámos muito admirados porque, estando habituados a que os vossos pais nos tratassem por “tu”, o Bisavô cortou radicalmente com esse tratamento, que, na sua opinião, era demasiado liberal e podia dar origem a abusos. Claro que não dava, mas a verdade é que o “tu” foi para sempre abolido nas relações deles com as pessoas mais velhas.

 

Cabe-me agora dizer que o Bisavô teve uma velhice muito feliz, sempre junto da Bisavó, desde que casaram e foram para Timor, na segunda década do século passado. Porém, uma única vez estiveram separados e de forma dramática. Foi durante a II Guerra Mundial, em que a Bisavó estava em Portalegre e o Bisavô em Timor, nessa altura brutalmente invadida pelos japoneses. Durante quatro anos não se sabia se ele era vivo ou morto. Só depois de terminada a guerra, se soube que passara todo aquele tempo prisioneiro num campo de concentração japonês, do qual foi um dos sobreviventes e onde passou fome, doenças e agruras de toda a espécie. A vida da Bisavó e dos seus quatro filhos menores, entre os quais se encontrava o vosso Vôvô, que era o mais velho, foi então muito difícil e dramática como devem calcular, e para mais no meio de tantas dificuldades que a guerra trouxe ao país.

 

 Graças ao temperamento e à coragem da Bisavó, lá foram vivendo e, os rapazes estudando, sem nunca perderem a esperança de virem a ter o Bisavô novamente ao pé deles, como felizmente veio a acontecer, quando a guerra terminou.

 

 Durante uma parte do tempo em que estiveram separados, sobreviveram graças a uma pequena pensão que lhes foi atribuída pelo Estado e conseguida através de muitos esforços e empenho do antigo Governador de Timor, Coronel Álvaro Fontoura, há muito falecido, que admirava o Bisavô.

 

 Quando o Bisavô desembarcou em Lisboa, regressado de Timor, o vosso Vôvô, ainda rapaz, esperava-o ansiosamente no porto de Lisboa e quase o não reconheceu de tão magrinho ele vinha. Um homem robusto estava reduzido praticamente a um esqueleto. Trouxe consigo apenas, vestido, um fato muito largo que lhe haviam dado quando foi libertado e um pequeno embrulho debaixo do braço. Nesse embrulho trazia a bandeira portuguesa que esteve permanentemente hasteada no campo de concentração, para mostrar a presença de portugueses, mas mesmo assim não livrou o campo de ser mais de uma vez metralhado pela aviação dos aliados. A referida bandeira ainda hoje se encontra, julgo, exposta no Palácio da Independência, em Lisboa, por oferta dos familiares do Bisavô. Nela estão bem patentes os buracos provocados pelas balas!

 

Alguns anos depois, o Bisavô teve um grande desgosto: ordem do governo de então para repor todo o dinheiro da pensão que a Bisavó recebera durante a guerra, o que veio a acontecer, compulsivamente, através de descontos que lhe fizeram na sua modesta pensão de reforma até ao fim da sua vida, em 1974.

 

Tanto o Bisavô como a Bisavó eram muito respeitados e óptimas pessoas, honestos e também sensíveis e afectuosos, mas sempre tinham sido habituados a manter uma certa distância, o que nos podia levar julgá-los demasiados frios. Não eram de andar aos abraços e beijinhos, queridinho para aqui, queridinho para lá, mas gostavam muito dos netos, vossos pais, e escreviam-lhes cartas muito ternas e postais para Angola.

 

Hoje estão sepultados, lado a lado. Eu e o Vôvô ainda há pouco tempo fomos depor flores na sua campa comum, em Portalegre. Temos muitas saudades deles. Paz às suas almas.

 

 

 

 

 

Beijinhos e até à próxima carta

 

 

 

 

 

 

           

publicado por clay às 00:10 | link do post | comentar | favorito
Quarta-feira, 12.09.07

                                              O nosso caminho,

                                              quase cinquenta anos

                                              de caminho,

                                            não foi sempre a estrada florida

                                            que sonhámos,

                                            mas soubemos flori-la de carinho

 

                                             Houve pedras a ferir-nos os pés:

                                             os filhos que perdemos.

                                             Houve espinhos a rasgar-nos

                                             a pele, sem piedade,

                                             quando viemos,

                                             despojados de quase tudo

                                             e a pesar-nos a idade.

 

                                             Mas houve muito e leal amor,

                                             como jurado.

                                             Houve dias de sol

                                             e de ternura.

                                             E houve, sobretudo, meu amor,

                                             ter andado o caminho

                                             sempre os dois,

                                             lado a lado,

                                             ultrapassando assim a noite,

          até mesmo a noite mais escura.

 

                                             Lisboa, 8 Junho 2007

 

                                                        Clementina Relvas

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Segunda-feira, 10.09.07

Meus queridos Netos:                                                

          

  No domingo que passámos em Berlim, fomos os três à missa à Igreja Católica de S. Matias que ficava na nossa zona. Foi construída entre 1867 e 1868. Destruída durante a guerra, foi reconstruída em 1952 e completamente restaurada em 1993,

 

            Agora é um vasto templo pouco ornamentado mas com a abside toda iluminada por vitrais modernistas, muito claros, que representam cenas do Antigo e do Novo

Testamento, com especial relevo para a Paixão de Cristo. A missa foi celebrada em latim, como se fez até ao Vaticano II, mas com o sacerdote de frente para os fiéis.

 

            No regresso, fomos ao Europa Center, situado nas imediações do Jardim Zoológico tal como o Ka De We, com a intenção de aí almoçarmos. É um Centro Comercial mais pequeno mas mais requintado e onde encontrámos lojas com bons saldos mesmo de marca. Tem um relógio de água muito original e uma esplanada no meio de um lago, bem apelativa. Mas no restaurante havia grande movimento e decidimos ir até à Potsdamerplatz e por lá almoçarmos. Foi o que fizemos: almoçámos num óptimo restaurante italiano e depois fomos visitar a praça.

 

            Fica mesmo no centro de Berlim e, além dos magníficos edifícios, celebriza-se por ter sido a maior obra de construção da Europa. Tem uma cúpula magnífica em vidro e bronze e na sua enorme praça, um repuxo que cai num grande lago em cujos muretes há sempre pessoa sentadas. À volta deste, esplanadas, restaurantes e admiráveis edifícios como o da Sony, onde está instalado o Museu do Filme e um cinema Imax, onde fomos, com a Cristina, ver o último Harry Potter em três dimensões e... em alemão. O que valeu é que as imagens falavam por si e eu já tinha uma ideia da história.

   

 

            Nunca desistindo da visita ao palácio de Sanssouci, de que só tínhamos admirado o exterior e os magníficos jardins e depois de uma visita gorada, numa segunda-feira em que todos os museus estavam fechados, lá regressámos e, depois de penar um pouco na fila habitual, conseguimos finalmente entrar e visitar uma parte mínima do riquíssimo palácio rocócó: a galeria de pintura, o grande hall, a biblioteca do imperador (tem cinco iguais em várias cidades alemãs), a sala da música onde, durante trinta anos, Bach mostrou a magia do seu talento e vários quartos entre os quais o de Voltaire, que ali viveu durante três anos e cuja decoração é em estilo chinês, em amarelo forte, com flores, papagaios, coelhos e outros animais.

 

            A Cristina achou muita graça às enormes chinelas em que tivemos de enfiar os sapatos para não riscar o chão e que mais pareciam botas de sete léguas. Ela perdeu-se de amores na loja das recordações que, de facto, eram irresistíveis e comprou um pendente em cristal Swarovski, em verde carregado, que teve posteriormente a alegria de receber como recordação do Vôvô, para a ajudar a recordar a nossa fantástica viagem.

 

            Depois da visita e passado o velho moinho que marca a saída do parque, fomos almoçar a um grande Imbiss, no meio da floresta, onde a Cristina tirou uma fotografia ao Vôvô a beber uma enorme cerveja, que os alemães consideram Klin (pequeno),

 

            Muito mais coisas teríamos para ver pois, além de Potsdam, Berlim tem inúmeros castelos, entre os quais se distingue o castelo de Charlottenburg, residência de verão dos reis prussianos, cujos jardins são alvo de inúmeras visitas de turistas, O seu teatro principal, em estilo clássico, do princípio do sec. XIX, totalmente destruído e depois reconstruído, ombreia com a Filarmónica, sede da Orquestra Filarmónica de Berlim, com o Palácio Friederichstad, considerado o mais moderno teatro de revista da Europa, a Opera Nacional Alemã, reconstruído em 1955, o Teatro Schiller, a maior cena de teatro de Berlim, destruído durante a guerra mas aberto em 1950-51. A cidade conta também com inúmeras instalações desportivas das mais modernas, como o Estádio Olímpico, construído em 1936 e o Hipódromo de Galope Hopengarten que não é o único, dado o grande interesse dos berlinenses pelas corridas de cavalos.

 

            E o Zoo, por onde tantas vezes passámos mas que não tivemos tempo de visitar. Fica no meio do enorme parque Tiegarten, o pulmão verde de Berlim e é atravessado por um canal derramado em vários lagos.

 

            No seguimento da Ku-Damm e perto do nosso hotel, além da igreja que já referi e que tomou vulgarmente o nome da rua e muito perto do qual se ergue o célebre monumento comemorativo dos 750 anos de Berlim fica a rua Tauentzienstrasse que cruza com a ampla alameda que atravessa o Tiegarten e tem uma famosa praça com a estátua da deusa Vitória. Este monumento tem a altura de oito metros e, no seu pedestal, sempre víamos turistas pois também dali se desfruta um belíssimo panorama.

 

            E por aqui me fico, com o desejo de voltar a tão bela cidade, cheia de parques, canais e lagos e tão monumental.

 

            Se quiserem mais pormenores e o relato feito por ordem cronológica, recorram ao diário que a Cristina diariamente escrevia, com toda a aplicação, logo que chegávamos ao hotel (e onde fala do nosso último jantar, à luz das velas, num restaurante indiano) e as inúmeras fotografias que tirámos.

 

Beijinhos da Vóvó

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Sexta-feira, 07.09.07

Meus queridos netos:

 

 

            No dia seguinte à nossa chegada a Berlim e já com uma ideia geral que colhemos no City Tour”, fomos, logo de seguida ao pequeno almoço bufett do Hotel, visitar o Reichstag, que era uma das minhas primeiras prioridades.

 

            O Reichstag é um enorme edifício clássico, todo ornamentado com grandes esculturas e, tem em frente, um vastíssimo parque arrelvado, a Praça da República. Foi o Parlamento da época imperial e da República de Weimar e funcionou de 1894 a 1935, data em que foi completamente destruído por um incêndio criminoso. Durante a ditadura nazi, não funcionou qualquer parlamento. Na Berlim soviética manteve o nome de Reichstag embora o Reich (União) tivesse desaparecido com a morte de Hitler.

 

            No frontispício triangular, sustentado por seis colunas, tem gravado, desde a I Guerra Mundial e entre inúmeras figuras em relevo, a divisa”Dem Deutachen Volke  e ainda hoje, embora o Parlamento aí continue a reunir e se chama Bundenstag, os alemães se orgulham de o seu Parlamento ser uma casa aberta ao povo alemão que pode acompanhar, se quiser, a actividade parlamentar, o que faz com muita frequência e em grande número.

 

            Mas, actualmente, o que atrai ao Reichstag, por ano, cerca de três milhões de visitantes alemães e estrangeiros é a enorme cúpula de vidro, da autoria do arquitecto britânico Norman Foster, ao centro dum vasto espaço aberto sobre a cidade, embora esta também se possa admirar enquanto vamos subindo ou descendo as rampas que, suavemente, nos levam até ao topo e nos trazem de volta. Ao meio da plataforma, ergue-se uma estrutura de vidro, em forma de pirâmide octogonal invertida e truncada, onde os visitantes se vêem reflectidos em mil imagens que todos querem

                

                                                        

captar nas suas fotos ou filmes. É de facto, uma visita a não perder e que nós completámos com um belíssimo almoço no Restaurante Käfer, instalado num dos ângulos da plataforma e donde se tem, também, notáveis perspectivas da cidade. Mas é preciso coragem e paciência para arrostar com filas enormes – nós esperámos hora e meia ao sol – que todos os dias que por ali passávamos se mantinham do mesmo tamanho ou maiores.

 

            Ora, se o meu principal alvo era a cúpula do Reichstag, a Cristina tinha em vista, sobretudo, as Portas de Brandeburgo, que se situam perto e que lhe eram familiares nas ilustrações dos seus livros de alemão. Pudemos admirá-las à vontade e tirar fotografias muito interessantes, sem faltarem os cavalinhos que por ali estacionam para facilitar os passeios dos menos resistentes, ajuda que também encontravam, aliás, nuns triciclos cobertos, de dois lugares, para curtas deslocações. Mas a mais fotografada foi, claro, a deusa Vitória e a sua quadriga.

 

            O dia seguinte foi de compras. A Cristina, feitos os seus doze anos, tem agora novos interesses, como é natural, e quis aproveitar os saldos dos grandes armazéns para comprar roupas a seu gosto. Passámos o dia todo no Ka De We (grandes armazéns do oeste), onde o vôvô se nos juntou para almoçarmos os três no grande restaurante panorâmico onde se preparam iguarias de todo o mundo.

 

            Depois do Ka De We fomos a Potsdam (meia hora de metro) e aí fizemos uma visita guiada, em autocarro aberto, pelos muitos palácios e outros pontos de interesse da cidade. Vimos o Castelo de Charlottenhof, o Novo Palácio, o Sansoussi com os seus magníficos jardins, a Orangerie, o que resta do bairro holandês e da colónia russa Alexandrovona, ambos do séc. XIX, construídos por emigrantes desses países que aí foram trabalhar nas grandes obras então em curso.

 

            A visita terminou no Palácio Cecilienhof, em estilo de casa de campo inglesa, que foi construído pelos Hohenzollern, já no séc. XX. Ficou na História por aí ter sido assinado, no fim da segunda guerra, em 1945, o Tratado de Potsdam em que foi definido, pelos chefes de estado das potências vencedoras (Truman dos EUA, Churchill e mais tarde Attlee da Grã-Bretanha e Stalin da URSS), o futuro na nova Alemanha.

 

            No dia seguinte, chegou a vez dos museus: eu tinha grande empenho em visitar com a Cristina o Museu Pergamon, mas tanto este como os restantes quatro grandes museus da ilha estavam fechados para obras que só estarão concluídas em 2010. Limitámo-nos por isso a visitar a Galeria de Antiguidades que mostrava, no rés-do-chão, uma vasta colecção de arte romana e, no primeiro andar, de arte egípcia, onde se encontra o busto de Nefertiti, de 1350 a.c.  Em seguida visitámos a imponente catedral de Berlim, cuja cúpula foi totalmente destruída pelas bombas mas agora se apresenta em todo o seu esplendor. Foi edificada entre 1893-1895 no apogeu de Berlim como capital do Reich e reconstruída entre 1975-1980. Servia de igreja à corte e aí se encontra uma enorme cripta com os túmulos de adultos e crianças da família Hohenzollern. Tem uma pequena sala onde se encontra apenas um caixãozinho branco, em memória de uma princesa morta ao nascer.

 

            Para descansar um pouco, fomos almoçar, só as duas, perto do Checkpoint Charlie, num restaurante italiano muito bom e depois a Cristina tirou fotografias nesta zona e também ao muro que ainda resta (mais de um quilómetro) mas bastante degradado e fonte da polémica de que já falei: as autoridades pensam repará-lo para ficar como memorial, mas já não poderão reconstruir as pinturas feitas na época da queda por artistas conceituados que aí quiseram deixar os seus protestos e as suas mensagens de paz e de liberdade, alguns dos quais já morreram. Actualmente, numerosos grafittis desfiguram a intenção inicial e a maior parte das pessoas que sempre ali viveram gostariam de o ver destruído pois, devido a ele, passaram por muitos sofrimentos e algumas perderam a vida ao tentar passar para o Ocidente.

 

            Um dos dias memoráveis foi aquele em que visitámos a Torre da Televisão que os alemães orientais quiseram que fosse uma das mais altas do mundo como se vê na representação gráfica à entrada. Tem 368 metros de altura, mais 48 do que a Torre Eiffel. Depois de mais de hora e meia na fila e à espera de ter lugar nos dois enormes elevadores, subimos até à plataforma envidraçada, donde se têm perspectivas admiráveis sobre toda a cidade. Mas, mal acabámos de entrar no edifício, desencadeou-se uma forte chuvada que deixou encharcadas as dezenas de pessoas que ainda esperavam a sua vez.

 

            Resolvemos ir almoçar ao restaurante rotativo que fica a mais de 200 metros do solo e onde nos serviram um almoço requintado e esplêndido. Cada rotação demora meia hora, pelo que permite ver Berlim de todos os ângulos enquanto comemos, embora, ao princípio, tudo estivesse nublado e com chuva forte a bater nos vidros.

 

Já cansados, regressámos ao nosso hotel e eu, também já cansada, termino este relato por agora.

 

Beijinhos e até breve.

 

           

 

           

           

publicado por clay às 11:54 | link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 03.09.07


Meus queridos netos:

 

    Como o Vôvô já disse, estivemos em Berlim de 7 a 14 de Agosto, cidade que já era nossa conhecida, porque, em 1976, quando fomos passar quinze dias a  Hamburgo, a convite da Maria José, deslocámo-nos lá, por três dias, então e ainda por muitos anos dividida em duas zonas, uma oriental, sob a ocupação soviética e outra  ocidental.
        

            Naquele tempo, embora volvidos já cerca de trinta anos após o fim da II Guerra Mundial, ficámos muito bem impressionados com esta parte ocidental, porque  quase não eram visíveis os estragos causados pelos bombardeamentos dos Aliados, e pairava no ar um certo optimismo. O monumento  que mais nos impressionou foi a igreja da rua Kufürstendamm, a que,  tendo sido conservada em ruínas uma imponente parte da construção primitiva para memória futura, foi acrescentado um vasto edifício modernista, todo em  vidro que, no interior, é revestido de luminosos vitrais azuis dos  quais se destaca uma escultura dourada dum Cristo erguido ao alto, em posição hierática.

                              

 

            Como tínhamos muita curiosidade de conhecer a zona oriental,   integrámo-nos numa excursão e lá fomos numa visita relativamente curta  mas que chegou para nos fazer detestar o que se passava para além do célebre Muro de Berlim, cuja génese e consequências o Vôvô já explicou numa carta dirigida ao Zezinho.

            Quando chegámos ao Checkpoint Charlie, onde estava instalado um rigoroso posto de controle e era o único ponto que dava acesso a  Berlim oriental, tivemos que deixar o autocarro da República Federal  Alemã e a guia que nos tinha levado até ali, substituídos por uma guia  e um autocarro da República Democrática Alemã, que de democrática nada tinha. Entretanto, o autocarro donde saíramos foi sujeito a uma minuciosa busca com cães adestrados para o efeito e nós próprios  apalpados por uma mulher ou homem conforme o nosso sexo. Para dar uma ideia da opressão em que se  vivia no lado dominado pelos soviéticos,  basta dizer que nem uma revista se podia levar para lá, pois queriam  ter aquele povo afastado de todas as ideologias alheias e do avanço civilizacional que, em liberdade, se ia operando nos Estados Unidos da América e noutros países do mundo ocidental.

            A nova guia aproveitou o percurso para nos fazer uma «lavagem ao cérebro», debitando estatísticas que transformavam aquele mundo concentracionário, num autêntico paraíso, onde os serviços de saúde, a  educação, a assistência à velhice e tudo o mais eram os melhores do mundo. A ser assim, já todos os alemães se teriam passado para zona oriental, mas a verdade é  que se verificava exactamente o contrário:  muitas pessoas foram mortas a tiro, ao tentarem escapar daquela autêntica prisão.


            Havia ruínas por toda a parte. Monumentos que deviam ter sido  magníficos, apresentavam-se completamente desfigurados, pois estavam reduzidos a um montão de escombros sem  as cúpulas, as paredes semi-derrubadas, enfim, uma autêntica desolação. Para atenuar o choque que  tal visão nos podia  provocar, o nosso autocarro deu várias voltas à Alexanderplatz, a  famosa praça onde então se concentravam todos os grandes e modernos edifícios daquela parte da cidade. Depois, levaram-nos ao Museu  Pergamon que, embora intacto, se mostrava bastante precisado dum  restauro. Lá dentro, foi o deslumbramento com as ruínas antigas, incluindo um  altar romano quase intacto, de que anos mais tarde, visitámos o que tinha restado, naquela antiquíssima cidade da Turquia.   À saída, desejando comprar uma qualquer recordação, tive de me  contentar com um triste postal, a preto e branco que me custou uma bagatela. E foi difícil gastarmos os poucos marcos orientais que tínhamos sido obrigados a cambiar, com uma cotação ridícula, e que não  podíamos trazer de volta.

            A segunda e última visita que fizemos, foi ao Cemitério do Soldado  Soviético: um grande relvado, debruado por muretes com inúmeras lápides de mármore com um nome e uma  data gravados À entrada, uma gigantesca escultura dum homem de cada lado do vasto portão, no mais puro estilo da arte estalinista.

           E foi tudo. Percorremos depois, no autocarro, a longa  avenida Unter den Linden, por onde circulavam frequentes eléctricos de atrelado, quase vazios, enquanto os passeios estavam repletos de pessoas que voltavam dos seus trabalhos, todas com um saco de
plástico na mão para não perderem a ocasião de, numa fila que por acaso  aparecesse, comprarem fosse o que fosse, pois tudo escasseava e tudo servia para usar, vender ou trocar.

            Fizemos o caminho do regresso com uma rápida olhadela às Portas de 
Brandeburgo e às pessoas de idade que tristemente nos olhavam por trás dos vidros das janelas das suas casas, defronte do Muro. E, quando voltámos  ao nosso primeiro autocarro, todos nós respirámos de alívio.

            E agora, neste ano de graça de 2007, que monte de surpresas nos reservava o «City Tour», por toda a cidade de Berlim unificada! As  luxuosas embaixadas dos mais diversos países, o Reichstag, edifício  reconstruído com uma monumental cúpula de vidro e actualmente visitado  por milhões de turistas, as Portas de Brandeburgo com as suas famosas  esculturas de possantes cavalos, dominados pela deusa Vitória e  agora observáveis de todos  os ângulos, a Alexanderplatz com um número  acrescido de grandes e modernos edifícios  e fervilhando de pessoas  animadas, os canais do Spree, de que só ouvíramos falar, a  Potsdamerplatz que, de «Terra de Ninguém», se transformou no centro  nevrálgico da cidade, erguido por alguns dos maiores arquitectos e  engenheiros mundiais, o Checkpoint Charlie  e o pouco mais dum  quilómetro que resta do Muro, locais onde todos queriam parar para  tirar fotografias. E, por toda a parte, grandes centros comerciais, esplanadas a abarrotar  de gente, especialmente turistas alemães, autocarros muito frequentes  donde só se via entrar e sair pessoas e, em cada rua, uma faixa para  ciclistas, onde não era aconselhável aventurarmo-nos.

            Na velha Berlim oriental, avultava a fabulosa Torre de Televisão, que  tinha sido edificada para abafar os sons da sua congénere ocidental e  para deslumbrar os incautos. A verdade é que, na nossa primeira  visita, apenas a víramos de passagem. Mas agora iríamos desforrar-nos,  como vos contarei na próxima carta.

Beijinhos dos Vóvós




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