Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Quarta-feira, 26.03.08

 

Meus queridos netos:


Quando, em consequência do novo cargo do Vôvô, nas Obras Públicas, regressámos a Luanda, fomos logo viver para uma vivenda moderna, de dois pisos, com um quintal nas traseiras e, à frente, uma varanda cheia de plantas (espadas de S. Jorge, orelhas de elefante) que dava para um jardim bem cuidado e florido e onde também guardávamos os carros, o do Vôvô e o meu. No quintal havia uma garagem que em grande parte do ano estava completamente revestida de buganvílias

                  

de várias cores e um quarto com casa de banho para o criado, se este o preferia à sua casa no muceque. E também o tanque de lavar roupa, pois, nessa altura, ainda eram raras as máquinas de lavar e muito mais em Luanda.

A nossa casa era geminada com outra, onde morava um casal pouco mais velho do que nós e com dois filhos cuja idade não ultrapassava muito a dos nossos. Demo-nos todos muito bem, os garotos nas suas brincadeiras, a D. Palmira a fazer-me vestidos que eram muito elogiados pelas minhas colegas e o Sr. Matos no seu papel de patriarca bem disposto e amável. Quando regressaram de Angola, em 1975, foram viver para Aveiro onde os visitámos, infelizmente só uma vez, e onde ainda se encontram, rodeados dos filhos e netos. As nossas casas em Luanda ficavam situadas num bairro «chique», o Miramar. Aí estavam instalados alguns consulados e, passado não muito tempo, foi construído um cinema, também chamado Miramar (que linda vista para a Baía!), o primeiro de vários outros cinemas ao ar livre, de concepção moderna e muito confortáveis. Que diferença entre estes cinemas e o velho Tropical, onde víamos o filme sentados à volta duma mesinha quadrada, com refrigerantes e Coca-Cola, que lá não era proibida, bem precisos para aliviar um pouco o calor sufocante. Uma das coisas que mais me admirou, nesse cinema, foi ver as senhoras muito bem vestidas e penteadas e os homens todos em mangas de camisa. Mas, uma coisa é certa: foi lá, no Tropical, que vi os grandes filmes franceses da década de sessenta. Os realistas italianos, esses já os vi noutros cinemas, entre eles o majestoso Restauração, que não era ao ar livre e veio a ser aproveitado, depois da independência de Angola, para ser o Parlamento. Mas então, ou o clima se tinha amenizado, ou as pessoas se tinham ido habituando às elevadas temperaturas, pois raro era o homem que ainda fosse ao cinema em mangas de camisa e, mesmo as senhoras já não dispensavam um agasalho, ainda que ligeiro, na época do cacimbo, ou no Restauração, provido de ar condicionado.

Mas voltemos um bocadinho atrás. Vim de Nova Lisboa, onde só havia um bom cinema, o Ruacaná, e onde fiquei, hospedada no Hotel, com a Luísa e as crianças, durante o mês de Julho, para proceder às avaliações dos alunos. Só depois então fomos para Luanda, onde o Vôvô já se encontrava nas suas novas funções. Ele veio buscar-nos no nosso velho "Carocha", mais conhecido familiarmente por "Faísca", e lá fomos os cinco (Vôvô, eu, Zé, Quim e Luísa, planalto abaixo, percorrendo cerca de 600 quilómetros e descendo mais de 2.000 metros de altitude, até chegarmos a Luanda.  Quase à chegada, próximo de uma localidade chamada Viana, fomos surpreendidos por uma patrulha militar que nos mandou fazer alto. O Vôvô que não esperava nada por tal coisa, pois, quando saíu de Luanda no dia anterior, estava tudo calmo, só parou uns metros adiante. Foi o suficiente para vermos apontadas para nós, simultaneamente, várias espingardas. Um oficial português, ainda novo mas um tanto ou quanto nervoso, lá compreendeu que não éramos nenhuns terroristas e deixou-nos partir e seguir o nosso pacífico caminho... Muito cansados, depois de viagem tão longa, fomos para casa do meu hoje falecido irmão Alfredo, que tinha um estabelecimento comercial no bairro do Cruzeiro. Passados dias conseguimos então alugar uma vivenda, a do bairro Miramar de que falo atrás, onde permanecemos até 1969.

Fui colocada no Liceu Salvador Correia, um liceu misto, dotado duma construção notável, com pátios interiores onde o ar marítimo circulava, amenizando os dias de calor mais intenso. Era um grande Liceu, que chegou a ser frequentado por mais de dois mil alunos: turnos de manhã, à tarde e, para o fim, também à noite. O seu corpo docente era competente e muito empenhado e o ambiente entre colegas, e também entre professores e alunos, faziam daquela casa um lugar onde todos nos sentíamos bem, sem querelas nem stress. Eu até fazia parte dum grupo de colegas que, mensalmente, se reunia para um «sumptuoso» chá, em que cada anfitriã procurava mimosear as suas convidadas com a confecção de receitas originais e sempre deliciosas. Não tanto, claro, como as animadas conversas, manifestações de amizade sincera e até, por vezes, de humor.

Quando os Tios chegaram à idade de frequentar a pre-primária, foram, como já disse, para o Colégio da D. Júlia, vizinho do Liceu, onde encontraram uma educadora de que todos gostavam muito: a Tia Nani, como lhe chamavam.

Mas estava a aproximar-se o dia duma visita a Portugal, que o Vôvô e eu deixáramos havia sete longos e ininterruptos anos. As saudades já eram muitas, o cansaço também e grande o desejo dos bisavós de conhecerem os seus netinhos, mais do que por fotografia.
Mas essa é outra história, que vos contarei em breve.

Beijinhos, montes deles, da Vóvó.




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Quarta-feira, 19.03.08

 

                                   Relembramos os cantos e os contos,

                                   as mouras encantadas,

os dragões,

afastamos os medos, os papões

e em nossos corações

nascem espantos:

outra vez o milagre,

o dom, a graça

e no olhar cansado

um novo brilho…

passa a asa de um anjo

e, no arco que traça,

um neto é na verdade, duas vezes um filho.

 

           Lisboa, 22 de Abril de 1999

 

                       Clementina Relvas

 

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Domingo, 16.03.08

 Meus queridos netos:

 

         Apesar do que deixei dito na última carta, os dois anos que passámos na Caála foram anos felizes: o Zezinho ia crescendo, muito precoce no andar e na fala e sem nos dar problemas de maior, a não ser no primeiro mês, em que chorava toda a noite porque o meu leite não satisfazia o seu apetite, aliás constante até hoje. Assim, desde que passei a alimentá-lo a biberão, tudo entrou na normalidade.

 

         Quando completou catorze meses, nasceu o Quim, no Hospital de Nova Lisboa que ficava a vinte e três quilómetros da nossa casa; e tão aflitiva era a pressa do Vôvô para, às onze horas da noite, me entregar aos cuidados dos especialistas, que atropelou um veado, encandeado pelos faróis do Faísca, o nosso Volkswagen, adquirido em segunda mão no rescaldo da guerra do Catanga, ainda com marcas de ter apanhado uma rajada de metralhadora naquele território, quando ainda era do seu antigo dono.

 

         Tratava-se de um “Carocha”, ainda de óculo traseiro pequeno, com o qual, mais tarde, numas férias em Portugal, no gozo de uma então chamada “licença graciosa”, percorremos o nosso país de lés-a-lés, por montes e vales, com grandes cargas em cima do tejadilho, sem nunca nos ter deixado mal! O Vôvô costumava dizer que o carrinho era melhor do que um jeep. O certo é que voltou a Angola, onde nos continuou a prestar óptimos serviços até que pudéssemos comprar um carro novo, pois o dinheiro não abundava, apesar de sermos dois a ganhar…

 

         O tio Quim nasceu bem, provocando, como é hábito, alguns ciúmes no irmão mais velho, destituído do seu estatuto de filho único. Já adaptados aos sobressaltos da guerra, teve um baptizado muito diferente do tio Zé: este foi baptizado à pressa, sem poder ter como padrinhos, como era nosso desejo, o meu irmão Alfredo e a Adelina, que viviam em Luanda, e tendo, como festa, apenas um almoço oferecido pelo Administrador do Concelho e esposa, seus padrinhos de emergência. O Quim, baptizado também na linda ermida de Nossa Senhora do Monte,

           

teve uma festa muito concorrida por todos os amigos, que já eram numerosos e um autêntico banquete para o qual contribuíram os artísticos bolos e outra iguarias confeccionados pelas esposas dos chefes de posto.

 

          Tínhamos nessa altura vários empregados, pagos pela Administração: um cozinheiro que parecia já velho e, viciado em liamba, passava a maior parte do tempo a dormir num banco do quintal, já não fazendo coisa com coisa; uma lavadeira que me enchia o quintal de filhotes e de pequenas fogueiras onde cozinhava a fuba e o peixe seco que era gratuitamente fornecido a todo o pessoal, e um criado de dentro, miúdo vivaço com cerca de dezoito anos e que protagonizou um episódio hilariante: um dia em que o procurei por toda a parte, chamando-o sem que ele desse sinal de vida, e tendo quase a certeza de o ter visto entrar para o nosso quarto, espreitei para debaixo da cama e qual não foi o meu espanto ao ver, cozido com a parede branca, um vulto de que sobressaíam os olhos, muito vivos e escuros, envergando a minha «liseuse» cor de rosa, a cuja atracção não foi capaz de resistir. A muito custo, lá saiu do improvisado esconderijo, balbuciando a desculpa de que quisera ver como lhe ficava uma roupa tão linda.

 

         Além deste pessoal, contratámos a expensas nossas, uma ama para cuidar, primeiro do tio Zé e depois também do tio Quim, que ela dedicadamente tratou duma renitente alergia ao leite, mudando-lhe a roupa durante a noite, pois a transpiração aumentava-lhe o prurido e o mal estar. Era a Luísa, de quem vos falei com certo pormenor na carta anterior, então com dezoito anos e vinda duma aldeia do Concelho da Caála, o Quipeio, porque eu fui, durante esses dois anos, professora no Liceu Norton de Matos, nome herdado do fundador de Nova Lisboa. Tinha aulas todas as manhãs e, em dias de reunião de professores, o que não era muito frequente, também ficava no Liceu uma parte da tarde.

 

          Como o Liceu ficava a cerca de vinte quilómetros da nossa casa, por uma boa estrada (a mais extensa recta que me lembro de ter percorrido), tratei logo de tirar a carta de condução e para lá me dirigia, dando geralmente boleia a uma colega e amiga que leccionava Matemática e era uma óptima companhia. A Fernanda Macedo, assim se chamava, morreu com sessenta e dois anos, pouco depois de ter regressado a Portugal e eu ainda hoje rezo algumas orações que lhe serviram de conforto no seu sofrimento, como esta que transcrevo: «Senhor Jesus, que eu dê à cruz que Tu me deste a medida inteira dos meus braços». Na Caála, vivia com os seus tios (ele engenheiro das Obras Públicas), um casal muito recto e bem disposto com quem mantivemos as melhores relações de amizade.

 

         Mais tarde, foi nomeado um novo Administrador do Concelho que, apesar de muito traumatizado pelos horrores da guerra a que assistira no Norte, procurava dar expressão ao seu feitio bem disposto, coadjuvado pela esposa, essa dotada dum humor muito crítico e apurado. Tinham uma filha pequena, com cerca de oito anos, que gostava muito do tio Zé, que a chamava Lóló.

 

         Quando o Vôvô ganhou o concurso para Director Administrativo das Obras Públicas de Angola, ficou a substituí-lo nas funções de Secretário um colega natural do Porto, que, com a esposa, um filho e uma filha quase da idade dos nossos, eram os nossos companheiros de todas as horas e que, mais tarde, reencontrámos em Luanda, onde continuámos a conviver e acompanhámos na imensa dor causada pela morte do filho, então com doze anos, por uma deficiência cardíaca que nunca fora detectada. Com eles tínhamos feito belos passeios como às Pedras Negras e às quedas de água “Duque de Bragança”, no rio Lucala, uma das mais grandiosas de África. Quando regressámos definitivamente a Portugal, escrevemo-nos regularmente pelo Natal até que o tempo e a distância – eles foram viver para o Porto – nos privaram desse convívio mas nunca da mútua amizade.

 

           Por todas estas razões, a despedida da Caála foi para nós bem dolorosa, após dois anos que muito marcaram as nossas vidas.

 

                    E ala, para Luanda. Até breve e muitos beijinhos.

          

 

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Sexta-feira, 07.03.08


Muceque. Bidonville.
Bairro da Lata.
Vida de pobre,
nosso irmão.


Favela. Bidonville.
Bairro da Lata.
E sem lhe darmos
do nosso pão!


Muceque, Bidonville.
Bairro da Lata.
Nosso irmão pobre,
de qualquer cor.


Gedrung. Bidonville.
Bairro da Lata.
E sem lhe darmos
do nosso amor!

Luanda, 1965

Clementina Relvas

                              


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Terça-feira, 04.03.08


Meus queridos netos:

Na minha última carta fiz uma breve evocação da nossa Luísa mas o tempo que ela viveu connosco (cerca de 14 anos) e a sua dedicação a toda a família, em particular aos nossos filhos, merece mais do que isso: merece ficar nestas memórias pelo afecto e gratidão que tão bem soube merecer.

Nós chegámos à Caála por volta do dia 20 de Julho de 1960, quando o Tio Zé completara a sua primeira semana de vida e um pouco antes de iniciar, no princípio de Outubro, as minhas funções no Liceu Norton de Matos, o Vôvô começou a procurar, com a ajuda dos seus funcionários espalhados pelo Concelho, uma pessoa idónea para ama do bebé. Apresentaram-nos então a Luísa, uma rapariga mestiça filha dum comerciante do Quipeio, órfã de mãe e com pouco mais de dezassete anos. Não era bonita, com pronunciados traços negróides e uma carapinha curta, mais tarde, em Luanda, disfarçada por uma peruca. Era muito simpática e delicada e toda a gente gostava dela. Conquistou incondicionalmente o coração do tio Quim, que ajudou a criar desde o seu nascimento, e que ainda hoje conserva o seu retrato, bem à vista, em lugar de honra, na sua casa. Era bastante tímida mas bastante aplicada, sempre desejosa de aprender pois, quando veio, pouco mais sabia do que falar com certa dificuldade o português. 
             
Acompanhava-nos em todos os passeios que fazíamos: à Muxima, ao Cacuaco, ao Morro dos Veados, à Barra do Quanza e à Ilha do Mussulo, um local paradisíaco, perto de Luanda, com praias de areias finas e água quentinha, onde nos regalávamos a nadar e a saborear, na esplanada sob os coqueiros, um churrasco de frango que estava sempre delicioso. O Mussulo era um deslumbramento: o pôr-do-sol por trás dos coqueiros, a água cristalina e quase sem ondas e, de vez em quando, revoadas de gaivotas a exibirem, à compita em bandos enormes, acrobacias que nunca conseguimos filmar em toda a sua beleza.

Regressávamos como fôramos, a bordo do Ka-Posoka, quase sempre acompanhados pela minha afilhada e sobrinha Tininha, mais velha do que os nossos filhos. Ao desembarcar metíamos no nosso carro e voltávamos a casa, retemperados e felizes.

Também foi connosco a Malange, cidade então muito progressiva. Mas o que, pelo caminho, maior impressão me causou, foram os inúmeros imbondeiros, de grossos troncos por vezes ocos, onde até se abrigavam pessoas e

               

de cujos ramos retorcidos e sem folhas, pendiam os seus abundantes frutos em forma de ratos pendurados pelo rabo, eu nem sequer sei se eram comestíveis. Certamente influenciada pelos «baobas» de Saint-Exupéry, inspiraram-me um poema que vos reproduzi atrás, em homenagem às maravilhas da Natureza daquele vasto país que muito amo.

Foi nessa altura que, por mais que tentássemos, não a conseguimos convencer a vir de férias connosco, quando, ao fim de sete anos, gozámos a nossa primeira licença graciosa, que se estendia por vários meses de bem merecido descanso. Tivemos de arranjar outra ama, em Portalegre, para não sobrecarregar os bisavôs com duas crianças de quatro e cinco anos, tanto mais que eu aproveitei para ir fazer uma reciclagem de Francês, em Tours, onde o Vôvô também se matriculou, embora mais como turista.

Esta segunda ama, a Alice, era boa rapariga mas só ficou célebre pela sua bonita cabeleira e pela camada de piolhos com que infestou as crianças. Quanto à Luísa, voltou para junto do pai e da irmã durante as nossas férias de oito meses. Porém, mal regressámos a Angola, retomou o seu lugar na nossa família.

Nesta altura, já o tio Zé ia fazer seis anos e o tio Quim, cinco. Andavam num colégio particular, propriedade duma colega minha do Liceu, que ficava mesmo ao lado deste. Já eram uns rapazinhos crescidos tanto em casa como na Escola. O Quim era o preferido da Luísa, talvez por ser o mais novo mas principalmente, como já disse, porque se ocupou dele desde o seu nascimento. Era, e é, mais afectivo e lembro-me de que, numa das nossas viagens, trocou o colo da Luísa pelo meu, o que a deixou muito triste. Geralmente, conviviam muito os dois e os outros empregados da casa e foi assim que o Quim ganhou o gosto pelo peixe seco com funge, que a Luísa me pedia para comprar quando ia à praça e era o petisco domingueiro dela e do seu ajudante, bem como do Quim, é claro. Por isso, quando íamos para a praia – todos os Domingos, depois da missa – do almoço que levávamos para, junto aos do nosso grande grupo de amigos, fazermos uma grande almoçarada, lá constava um pequeno taperware, onde a Luísa não se esquecia de pôr o petisco do seu menino.
À medida que foram crescendo, iam deixando a Luisa com mais tempo livre: de manhã iam para a Escola e, à tarde, estudávamos juntos. Se a preparação das minhas aulas me impedia de brincar com eles, iam ter com os vizinhos da sua idade e também com os garotinhos pretos que viviam em duas ou três cubatas nas traseiras da nossa casa, com quem jogavam à bola e que os ensinaram a fazer e manejar os seus engenhosos carrinhos de arame.
A Luísa tinha desempenhado, desde sempre, o papel de intermediária entre mim e os empregados; era ela quem lhes dava ordens, quem os punha aptos a realizar as suas tarefas e ainda, nas horas vagas, quem lhes ensinava algumas orações e procurava iniciá-los na leitura e na escrita. Mas nunca conseguiu ter grande êxito no seu trabalho «missionário» porque, ao fim de poucos meses de casa, quando sabiam que o patrão tinha um emprego importante nas Obras Públicas, tratavam logo de meter uma cunha à Luísa, sempre pronta ajudá-los e sempre com êxito.

Penso que é altura de dizer que, uma vez em Luanda, a Luísa, farta de trabalho lento e mal feito, sempre a exigir a sua intervenção, foi-se propondo substituir, progressivamente, a lavadeira e o cozinheiro, acumulando com o seu os ordenados deles. Ficámos apenas com um empregado, sempre a mudar como disse, que a ajudava na cozinha, limpava o chão da casa e se ocupava do jardim e do quintal das traseiras, o que incluía os animais de estimação do Quim: uma gata, porquinhos-da-índia e outros, entre os quais um pequeno cágado que em breve procurou outras paragens. Isto, claro, quando o Quim tinha de se preparar para os testes, já que o cuidar dos animais era incumbência sua.

Era uma vida tranquila e feliz, sem luxo mas também sem privações, embora com alguns sobressaltos provocados pelos ecos da guerra, que se desenrolava lá longe. Mas foi por causa desta guerra que deixámos Angola e também a Luísa pois, mais uma vez, não houve argumentos que a convencessem a vir connosco para Portugal, tendo ficado em Luanda, num emprego que o Vôvô lhe conseguiu, a trabalhar num Hotel de Luanda. Durante muitos anos trocámos correspondência com ela – o Quim e eu – e fomos sabendo notícias suas através de pessoas conhecidas até que, com muita pena, a perdemos de vista, embora ainda hoje esteja bem presente nas nossas memórias e no nosso coração.

E então, beijinhos para a nossa Luísa de Angola e, claro, para os meus netinhos. Até breve.





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Domingo, 02.03.08

Aqui, na terra morena,

africana,

rude e forte,

símbolo do que resiste,

vida em luta com a morte.

 

Ó sentinela e profeta,

ó força da natureza!

Imbondeiro, meu poeta,

flor de altura morena,

de rebeldia e grandeza.

 

Tens flor, mas flor és tu.

Ó meu profeta-poeta.

Minha flor africana

do tamanho desta terra,

terra africana,

morena.

 

Raízes presas à terra,

braços erguidos ao céu,

mas como alguém que se agarra

ao torrão em que nasceu.

 

Não és flor, és profeta,

ó Imbondeiro poeta

que só morre onde viveu.

 

Raízes presas à terra,

braços erguidos ao céu.

 

            Luanda, 1966

 

            Clementina Relvas

 

                 

                 

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