Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Quarta-feira, 30.04.08
          

As palmas de palmeira que Te aclamam,

são tantas, ó Senhor, que Tu mal vês
este pequeno ramo em minha mão, 
modesto, meio-murcho, mas erguido
no mesmo ardor de toda a multidão.
 Montado no burrinho que pediste,
 humilde mas sem mancha, inocente,
 foi assim que quiseste dar entrada,
 entre as crianças que Te saudavam,
 numa Jerusalém, apinhada de gente.
 E todos depuseram suas capas
 no chão que Tu havias de pisar.
 “Salve, salve, Filho de David!”
 Tu eras Deus e ninguém se atrevia
 por ousado que fosse, a duvidar.
 Uma semana só, só quatro dias
 Te separavam da Tua Paixão.
 Bem o sabias Tu, e a própria dor
 de saber que ias ser crucificado 
 não anularam o Teu grande amor.
 «Salve, salve ó filho de David!»
 Obrigada, Senhor!
Lisboa, 17-03-08

Clementina Relvas

     
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Sábado, 19.04.08
Meus queridos netos:

 

                   Ao fim de sete longos anos em Angola, em que o Vôvô não teve férias e eu, sem a companhia dele, me limitava, durante as minhas, a ir, com as crianças, aproveitar o sol e o remanso da Ilha, ali ao pé da porta, decidimos vir, finalmente, gozar a nossa primeira licença graciosa a que, de quatro em quatro anos, os funcionários públicos tinham direito

                        Já tínhamos prescindido duma, porque o dinheiro não abundava, naqueles primeiros tempos, além de que, com dois filhos muito pequenos, não era fácil o afastamento de casa por alguns meses e muito menos estabelecer uma logística adequada.

                     Agora, com o Zé António quase a fazer cinco anos e o Quim catorze meses mais novo mas já muito desembaraçado, não havia tempo a perder, até porque as saudades, da Família, dos amigos e da própria terra, já nos impediam de apreciar como devíamos e costumávamos, os encantos de Luanda.

                     Embarcámos no Infante D. Henrique, um paquete enorme e de tal modo confortável que as férias não podiam deixar de contar com aqueles nove dias passados a bordo. De facto, sobretudo a primeira classe, em que viajámos, tinha óptimas instalações, um restaurante de grande categoria, uma piscina exterior e várias salas destinadas a jogos, cinema e festas temáticas, geralmente de cariz regional, certamente para nos dar o prazer antecipado do reencontro com os lugares de onde tínhamos partido.

                     

                             Paquete "Infante D. Henrique"

                    As crianças até aos doze anos não podiam comer com os adultos. Assim, logo que me levantava, preparava os pequenos e, ao fim de dois dias, graças ao bom sentido de orientação que o Zé sempre revelou, lá iam os dois pelos labirínticos corredores e escadas até à sua sala de pequeno almoço, onde lhes não faltavam os regalos que poderiam vencer a pior falta de apetite, o que não era o seu caso. Por isso, e depois de me certificar, pelo telefone, de que os «meninos Relvas» já tinham chegado, arranjávamo-nos nós e íamos, sossegadamente, os dois, tomar a nossa primeira refeição do dia, enquanto os rapazinhos ficavam num jardim infantil em ponto pequeno, entregues aos cuidados de duas monitoras que com eles brincavam em total segurança. Por vezes realizavam gincanas e outras competições e então lá iam todos, especialmente os pais, assistir às habilidades dos seus meninos. O Quim era muito destro e desembaraçado e, se acabava em primeiro lugar, o que acontecia frequentemente, lá vinha ele acolher-se no meu regaço, onde não lhe faltavam mimos e incentivos. Se não tinham essas actividades, íamos buscá-los para estarem connosco à beira da piscina e aí se entretinham com brinquedos e desenhos até ás onze horas, altura do almoço. Eu acompanhava-os sempre, porque eles gostavam da minha presença e assim podia ir vendo como eles se alimentavam e comportavam. O mesmo sucedia ao jantar, depois duma tarde em que dormiam uma boa soneca, lanchavam, voltavam aos jogos connosco ou com os amigos. E, depois…caminha. Era nesse período que nós íamos ao cinema, jogar bingo, dar uns passos de dança, sempre com sortidas do Vôvô para ver se tudo estava bem, apesar de haver um vigilante que tínhamos encarregado de passar frequentemente à porta do nosso beliche e o sono dos dois ser sempre calmo e ininterrupto.

                  Entretanto chegou o dia 13 de Julho e os cinco anos do Zezinho. Houve festa rija, com um magnífico lanche oferecido pela Companhia de Navegação, a que não faltou um artístico bolo alusivo ao aniversário, a presença de todas as crianças que vinham a bordo e a de muitos adultos que quiseram partilhar aqueles momentos, felizes para todos.

                 Foram uns dias bem passados, na companhia de amigos de Luanda que viajavam connosco e novos conhecimentos travados com passageiros que já vinham de Moçambique, embora alguns, mais elitistas ou «peneirentos» se fechassem no seu círculo de conhecidos.

                 Também chegou a nossa vez de sermos convidados para a mesa do comandante, o que era uma distinção que todos apreciavam, tanto mais que se tratava duma pessoa muito distinta e afável.

                Ao chegarmos à Ilha da Madeira, quase todos desembarcámos e fomos dar uma volta pelos sítios mais pitorescos: a Senhora do Monte, no alto duma serra que furava as massas de nevoeiro, espessa mas branquinhas, o Cabo Girão, Santana da Serra com as suas casas típicas e outros pontos de interesse que mais tarde havíamos de revisitar com mais demora. O Funchal, um autêntico presépio de brancas moradias, separadas por luxuriante vegetação, no alcantilado debruçado sobre as águas azuis do Atlântico, encheu os nossos olhos de beleza e também de espanto pelos progressos evidentes que ali se tinham verificado. De facto, à ida em 1959, no navio Quanza, apesar da inegável força da paisagem, notámos que a maioria da população andava descalça, que não havia ainda um cais de atracagem e chocou-nos ver uma chusma de rapazes a atirar-se afoitamente ao mar para resgatar moedas que muitos passageiros se entretinham a atirar-lhes.

              Mas foi na nossa segunda visita turística, já em 2004, que ficámos deveras surpreendidos com o desenvolvimento alcançado pela região, devido não só ao estatuto autonómico que tinha adquirido, como pelas ajudas monetárias recebidas da União Europeia, baseada na sua classificação de região periférica. Agora, além da distinção e fama adquirida pelo «velho» Reids, onde, entre outras pessoas célebres, se hospedou por mais do que uma vez Winston Churchill, da grandiosidade e valor artístico do edifício do Hotel–Casino, segundo projecto do grande arquitecto brasileiro Óscar Niemeyer, muitos e luxuosos hotéis tinham transformado a Madeira num dos mais procurados destinos turísticos, não só graças ao seu aeroporto, completamente reestruturado depois do terrível acidente, o único da história da nossa aviação civil, em que se tinham perdido dezenas de vidas, como ainda pelo magnífico porto, onde chegámos a contar seis grandes paquetes ali ancorados ao mesmo tempo. Mas a verdadeira estupefacção foi a espantosa rede viária, em que os túneis se seguiam uns aos outros, galgando vales e encurtando distâncias, assim como os teleféricos que passaram a oferecer aos visitantes vistas ainda mais deslumbrantes daquela paisagem inigualável.

                                     

                                            Uma panorâmica do "Funchal" de hoje

            Da Madeira a Lisboa, com tempo favorável, por três dias continuou a magnífica viagem. E nem assentámos arraiais: depressa partimos para Portalegre, já no nosso Faísca que tinha viajado connosco, pois em Portalegre nos esperavam, ansiosos, os vossos Bisavós paternos. Quando vieram acolher-nos à porta, o Quim foi logo aconchegar-se no colo da Vóvó Inês, o que a deixou muito comovida.

           Dessas nossas longas e bem preenchidas férias, me ocuparei em próxima carta.

                   Beijinhos, muitos e afectuosos.

 

 

 

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Quarta-feira, 16.04.08

 

 

                                       É palmeirinha real.

É frutinha de dém-dém.

E tem um jeito de andar

           só dela,

           só ela o tem.

 

E na alma o que terá?

Não o pergunta a ninguém…

 

Só eu sei que a sua alma

é palmeirinha também.

E tem um jeito de amar

           só dela,

           de mais ninguém.

 

 

           Luanda, 1970

 

           Clementina Relvas

 

 

 

 

 

 

 

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Domingo, 06.04.08


Meus queridos Netos:

Creio ser escusado dizer-vos que, na vida, todos temos de ultrapassar momentos difíceis, até mesmo os animais.
Que o diga o meu amigo Pantufa, um cão do mais puro pedigree, possuidor de Caderneta com nome de pai e mãe, data de nascimento e indicação de raça que, nos caninos e outros animais, excepto os humanos, não revela qualquer espécie de discriminação.
Ainda mal tinha nascido, vira-se logo separado da mãe e dum rancho de irmãos e exposto para venda numa loja de animais. Embora bem tratado, apertava-se-lhe o coração sempre que ouvia:
- Calhava bem era vender este enquanto ainda é bebé e pode render bom dinheiro.
Pensava: a que mãos irei parar? Gostava tanto de encontrar um dono simpático, que gostasse das minhas lambidelas e das minhas habilidades e que não se cansasse de mim…
É que já lhe tinham chegado os ouvidos, pela boca dos mais velhos, arrepiantes histórias de cães que, mal chegavam as férias dos donos, eram abandonados nas auto-estradas ou em parques de estacionamento e por ali andavam até os levarem para o Canil Municipal, uma espécie de prisão que, mesmo horrível, todos os dias se esvaziava para dar lugar a outros. Isto para não falar dum destino mais tenebroso, resultante dum autêntico crime: ser atirado para o Tejo, do sítio mais alto da Ponte Vasco da Gama e ter a sorte de morrer afogado e não ficar, horas e dias, a ganir no rebordo exterior da ponte, até lhe enrouquecer a voz e se lhe fecharem os olhos.
Mas o Pantufa era um cãozinho valente e optimista: sentia que, dum dia para o outro, alguém se encantaria com ele, com o seu pêlo abundante e comprido, os seus olhos vivos e expressivos e as suas orelhas que ele sabia arrebitar para exprimir as mais variadas emoções. E assim, pensava ele, em breve arranjaria um amigo.
Não se enganou, o nosso Pantufa: um dia viu-se ao colo dum senhor – pela roupa que vestia mais lhe parecia um rapaz – que o levou para casa e começou a enchê-lo de mimos. Só havia um problema: roía tudo quanto estivesse ao seu alcance e toda casa lhe servia para satisfazer as suas necessidades básicas. O dono ralhava com ele mas, ao olhar para os seus olhos doces, pegava-lhe ao colo e, pacientemente, procurava ensiná-lo a ser um cão bem comportado e apresentável que pudesse apresentar aos seus pais, cuja idade lhes fora minando a paciência.
Ao fim-de-semana, dava-lhe um banho quentinho com um champô muito bem cheiroso, penteava-lhe, carinhosamente, os longos pêlos até ficarem brilhantes e aprimorava-lhe a popa que eles faziam, entre as orelhas, sua irresistível imagem de marca.
Com o passar dos dias, começou a reparar que o dono mudava frequentemente de humor e, embora nunca deixasse e o mimar, às vezes ficava sem paciência para as suas brincadeiras. O Pantufa retirava-se para o seu canto e aguardava que o dono o chamasse. Dirigia-lhe, então, palavras carinhosas e até o deixava dormir no aconchego da sua cama. O Pantufa ali ficava, muito sossegadinho, e só de manhã, quando o dono acordava, é que não resistia a ir dar-lhe os bons dias, à sua maneira, com as habituais lambidelas. Parecia-lhe que o dono gostava desse ritual, porque se ficavam um bom bocado na brincadeira, o que era o melhor começo do seu dia.
Mas como a felicidade não é um estado permanente, chegou uma altura má para o dono: adoeceu, deixou de ganhar o dinheiro suficiente para pagar as prestações da casa e teve de ir viver para uma casa pequena e desconfortável. Mas o que mais afligiu o cãozinho é que a dona da casa, uma autêntica megera, o afastava da companhia do dono, prendendo-o no quintal, ao lado do Farrusco, um vira-latas esquelético e malcheiroso, que estava constantemente a ladrar-lhe ou a rosnar. Em breve, também ele começou a cheirar mal, privado dos deliciosos banhos perfumados com que tinha sido acolhido. E, para dizer a verdade, até fominha passou. É que o dono, não tendo aguentado aquele ambiente, desapareceu, deixando-o naquele abandono
Mas, confiante na amizade que sempre vira retribuída, nunca desesperou de voltar a viver tempos melhores, apoiando-se no seu optimismo, apesar das saudades lancinantes que sentia.
Bem podemos imaginar o seu grande contentamento, quando viu o dono entrar no quintal, soltá-lo da corrente, pegar-lhe afectuosamente ao colo e dizer-lhe na sua voz amiga:
- Ó Pantufa, meu amor de cãozinho, nem imaginas como tenho sofrido com a tua falta, como, nestes dias negros, me tenho sentido só! E tu aqui, tão desprezado, sem poderes sequer mostrar como és engraçado e afectivo.
O cãozinho não parava quieto, estendendo as patas, remexendo-se no seu colo, lambendo-lhe as mãos e até a cara, o que era a expressão máxima do seu afecto. E, mal podendo acreditar no que ouvia, arrebitou as orelhas e prestou toda a sua atenção:
- Mas esqueçamos o passado. Agora vais comigo e nunca mais te deixo sozinho. E nunca mais ficarei sozinho. Vamos para uma nova casa, pequena mas confortável, onde tu terás os teus banhinhos semanais e a comida a horas certas. E tudo será bom como dantes. Será mais difícil irmos brincar para a praia, mas faremos belos passeios ao jardim que fica perto da minha casa e poderás correr atrás das borboletas e dos pardais, na eterna ilusão de te escapares como eles.
Agora, mais crescido e com mais experiência da vida, mas sempre divertido e afectuoso, o Pantufa já não suja a casa e só outro dia, num acesso de infantilidade, se pôs a roer o papel higiénico, desdobrando o rolo como se quisesse enfeitar a sala com enormes serpentinas brancas.

Lisboa, 9-03-08

Beijinhos da vossa Avó


publicado por clay às 00:46 | link do post | comentar | favorito
Quarta-feira, 02.04.08

                                                           

É matéria de fé, da nossa Fé,

e o penhor da nossa Salvação.

Cristo ressuscitou. Páscoa. Aleluia!

Já não há trevas, há um novo Sol

a encher toda a terra de alegria.

Em nossos corações tocam os sinos,

a Natureza em festa despertou.

Cobriu se de flores e até os ninhos

se encheram de gorgeios, novamente,

e se aplanaram todos os caminhos.

Cristo subiu ao Céu, donde viera,

mas voltou, para testemunhar,

perante os de Emaús e todos nós

que não era ilusão e mandaria

o Seu Espírito a nos confortar.

Tantos mistérios, Deus, tantas verdades

para a nossa passagem, nossa Páscoa

pois, já não sendo órfãos, por vontade

de Cristo, nosso irmão, nossa Cabeça,

seremos Seus, por toda a eternidade.

Assim seja Senhor. Em toda a terra

ressoem hoje hossanas, de louvor

por Jesus Cristo, que nos resgatou.

Em nossos corações toquem os sinos:

Aleluia! O Senhor ressuscitou!

                 

Clementina Relvas

Lisboa,  Domingo de Páscoa, 23-03-08

 

 

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