Meus queridos netos:
Hoje, para variar, transcrevo aqui um pequeno conto que escrevi, já lá vai algum tempo. Beijinhos da vossa Vóvó.
O RATINHO QUE CONQUISTOU O GATO
Havia por ali muitos ratos, ou melhor, muitas ratazanas, tão grandes, tão nédias, que davam sempre para saciar o apetite de mais do que um gato, por muito comilão que fosse.
Agora já iam rareando e não há dúvida nenhuma de que o gato Lambrusco, o mais lá de casa, se tinha distinguido na caça a tão nocivos roedores, de tal forma que muitas vezes cofiara os bigodes e afilara as orelhas, ao ouvir os elogios da dona:
- Valeu a pena arranjarmos sete gatos para nos vermos livres desta praga de ratazanas, fonte de poluição e estragos no armazém e que já nos começavam, descaradamente, a entrar pela casa dentro. Mas, na verdade, o campião das caçadas tem sido o Lambrusco, esperto e manhoso como só ele.
- Por isso está assim tão anafado – dizia a filha adolescente que, a princípio, até se insurgira contra aquela horrível matança, acabando por concordar que talvez não houvesse solução mais assisada.
Havia, no entanto, um ratinho, esse pequeno e rosado, que todos na casa conheciam porque, quando menos o esperavam, lhes aparecia junto ao frigorífico, na cozinha, ou até mesmo ao pé da cama da menina. E uma vez, descaradamente, em cima da sua secretária em corrimaças de pequenote.. A menina não o denunciava, receosa de o ver sujeito a um trágico fim, mas já todos se perguntavam:
- Um rato tão pequenino e nenhum gato se atreve a dar conta dele.
- Deve ser porque mal daria para encher a boca dum gato, quanto mais o seu estômago…
Mas não. O que acontecia é que nenhum gato, dispondo ainda de algumas raras ratazanas, achava valer a pena dar-se a trabalhos por tão pouco.
Excepto o Lambrusco: esse tinha um motivo diferente. Habituado a relações afectuosas, aos miminhos da pequena dona, tinha-se tomado de amores pelo ratinho, tão pequeno e vivaço e, além do mais, destemido. A ponto que um belo dia, lá se foi, pé ante pé, chegando bem junto dele e lhe sussurrou ao ouvido:
- Olha lá. Queres ser meu amigo? Eu sei que tens boa razões para não acreditares em mim. Mas juro-te que nunca te farei mal, e mais: hei-de defender-te dos outros gatos, das ratoeiras e de todos os perigos.
O ratinho piscou maliciosamente os olhos, ficou um pouco a pensar cofiando os bigodes e depois disse:
- Na verdade, se tu me quisesses fazer mal, onde é que eu já estaria? Certamente junto dos meus parentes e amigos, bem menos afortunados do que eu e a quem vós destes sumiço. Mas, ainda que eu quisesse aceitar a tua amizade, onde é que iria viver para ficar sob a tua protecção?
- Então onde é que há-de ser? Na minha casota, que é bem confortável. É forrada com uma fofa manta de lã e todas as manhãs encontro, à entrada, um saboroso pires de leite ou biscoitos para gato que tu, certamente, também hás-de apreciar.
Eu podia continuar a história. Mas prefiro acabá-la e de acordo com o que eu penso serem as vossas interrogações:
- E de manhã? Como reagiu a família àquela inesperada amizade?
Será preciso explicar o espanto dos mais velhos e a reacção da menina que dizia:
- Coitadinho, tão fofinho… Como é que um gato tão afectivo como o Lambrusco lhe havia de fazer mal?
Lisboa, 28-03-08