Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Sábado, 26.12.09

               Meus queridos netos:      

                                  

 
Um dia destes, na paragem do autocarro, ouvi uma senhora, já de idade, perguntar a outra:
            - E a senhora, donde é?
A interpelada respondeu:
- Eu sou de Lisboa, da Maternidade Alfredo da Costa, tal como os meus filhos, os  meus netos e os meus bisnetos. Mas olhe que tenho, com isso, um grande desgosto.
            - Como assim? Nascida numa cidade tão linda…
            - E eu gosto muito de Lisboa. É, para mim, a melhor cidade do mundo, embora não conheça muitas mais. Mas, quando o Natal se aproxima e ouço, muitos vizinhos e amigos, todos entusiasmados e felizes com a perspectiva de irem passar o Natal “à terra”, sinto cá dentro um não sei quê, talvez saudade duma coisa que, afinal, nunca tive, talvez uma pontinha de inveja que logo me esforço por apagar. Mas a verdade é que toda a família se agarrou a Lisboa, aqui cresceu e organizou a sua vida e nem um, para amostra, casou com alguém da província ou procurou uma cidade mais pacata ou uma recôndita aldeia para viver. Do modo que, aqui estou eu condenada a passar o Natal em Lisboa, embora me não possa queixar pois não há ano em que não tenha a casa cheia, não receba lembranças, pequenas ou mais avultadas, de todos os que me são queridos e não me console com os risos e brincadeiras dos mais pequenos. Às vezes, sobretudo com as publicidades que há agora, até já tenho dito ao meu marido:
            - Olha lá, e se fôssemos os dois aproveitar um destes Natais, num turismo de habitação com consoada e tudo. Talvez assim eu pudesse ter a sensação de passar o Natal “na terra”… Pelo menos, sempre descansava um pouco. Embora os filhos e noras procurem dar uma ajuda, é sempre uma época de grande canseira para mim.
            O meu marido desatou a rir, mas depois pôs-se sério e disse:
            - Ó mulher, e tu eras lá capaz de deixar a nossa casa vazia, os filhos, netos e bisnetos cada um para seu lado e nós numa casa estranha, mesmo que muito confortável, numa voluntária solidão, sem ninguém a quem abraçar nessa bendita noite e no dia seguinte? Parece mentira, uma mulher tão assisada e tão ligada à família, com uma ideia tão maluca. Então tu não vês que a maioria das pessoas que vão passar o Natal “à terra”, vão antes de tudo em busca do carinho e aconchego dos familiares de que as vicissitudes da vida os afastou? E também na esperança de reviverem tempos passados, o que às vezes lhes traz até alguma ponta de desilusão. Olha, sabes que mais? A “terra” é o lugar onde temos as nossas raízes e, sobretudo, os nossos afectos. Para nós é Lisboa, onde temos passado tantos e tantos Natais felizes, acarinhados por todos os que amamos. Vamos lá fazer o nosso presépio para termos o Menino Jesus connosco e, com a ajuda das mais novas, que não nos faltem as rabanadas, os coscorões…e os sonhos.
 
            A senhora “falava pelos cotovelos”, mas com tão grande emoção, que eu, embora o mais discretamente possível, não fui capaz de me abstrair de tão complexo problema e só quando o autocarro chegou e fiquei sozinha, me pus a desejar baixinho: “Santo Natal para toda a gente “na terra” de cada um”.
 
Beijinhos dos Avós
 

 

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Sexta-feira, 18.12.09

           Meus queridos netos:

 

                                   Ontem, apesar do frio, saí à noite e, como é habitual todos os anos por esta época, a minha rua (e a maior parte das ruas da cidade), resplandecia do brilho de milhares de luzinhas, que punham as almas em festa, na expectativa do Natal.
Este ano, cada grinalda de estrelas suspende no ar, graciosamente, um anjo : é só o seu contorno em luzes brancas e, à volta, luzinhas cor de rosa para o tornar mais vivo e apelativo. As pessoas passavam, sem parar, mas eu tinha a impressão de que aquela luz, embora vista de relance, punha em todos os olhos, por vezes espelho duma vida difícil, um brilho nascido em cada coração, só porque era Natal: uns deitavam contas à vida para não falharem com a consoada e os presentes, antegozando a reunião da família que, no aturdimento da vida quotidiana, se tornava cada vez mais espaçada e difícil; outros já se reviam no aconchego da lareira em qualquer ponto do país, onde se sabiam ansiosamente esperados; e outros lá iam, apoiados à sua muleta e curvados pelos anos e pelas artroses, acalentando a esperança de que, nesse dia, alguém havia de bater-lhe à porta: uma vizinha e amiga ou aquela simpática senhora do Centro Social…
            De repente, eis que uma menina puxava o braço da Mãe e exclamava, fazendo-a parar: “Olha, Mamã, tantos anjinhos que vieram para esta rua! Achas que todos eles estão, como eu, ansiosos pelo dia de anos do Menino Jesus? E já viste quantas festas Ele vai ter, em todas as casas, não é?”. A Mãe, seguindo, comovida, o olhar da criança e os seus sonhos, não quis toldar aquela carinhosa esperança e calou os seus pensamentos: “ Infelizmente, há muitas casas em que o Menino Jesus não entra, pois já estão todas a abarrotar de coisas. Ele é a árvore de Natal toda iluminada e rodeada de lindos embrulhos enfeitados de fitas e laços, a grande mesa da consoada onde se acumula tanta comida que até se perde o apetite, a algazarra das pessoas que aproveitam para pôr em dia as conversas sobre as suas vidas, tão atarefadas e, graças a Deus, também os risos e, por vezes, as canções de crianças, felizes por verem os outro felizes e por terem recebido muitos presentes. “
            Porém,  a menina continuava: “ Ó Mamã, tu vais fazer um bolo de anos para o Menino Jesus?”.A Mãe pensou um pouco e disse: “Todos os bolos que a Mamã faz, as rabanadas, os sonhos, os coscorões são do Menino Jesus porque é Ele que nos dá, a mim e ao Papá, a saúde e o emprego para podermos fazer a ceia dos Seus anos e comprar os presentes, que evitamos sejam muitos para ajudar os que não têm nada”.
E já ambas seguiam o seu caminho, sob o dossel dos anjos de luz, quando a menina pediu: “ Mas olha, Mamã, o que eu queria era que tu fizesses o bolo de chocolate que é o mais bonito dos meus anos e lá escrevesses assim: “Muito obrigado, Menino Jesus. Todos nós gostamos muito de Ti”.
            Então é que os olhos da Mãe se iluminaram e ela disse, comovida: ” Essa vai ser a oração que todos nós, lá em casa, vamos rezar este Natal”.
            Já tinham atravessado para outra rua, onde as luzes não desenhavam anjos, mas evocavam, de igual modo, a verdadeira Luz do Deus que Se fez homem para nos tirar das trevas e nos dar a esperança da Ressurreição.
            Que seja essa seja a Luz a iluminar as vossas vidas, são os desejos que saem dos corações dos vossos Vóvós
 
 
 
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Sábado, 12.12.09

                                  

 

                Nascera naquele cantinho por um verdadeiro milagre: numa noite de muito vento, todas as sementinhas andaram num rodopio, meio tontas e ela viera ali parar.
                A princípio não gostou: era um estreito socalco sustentado por um muro de pedras e a terra era dura, seca… Quem poderia ali criar raízes?
                Mas um dia, na aldeia, começaram as ladainhas. O povo, já cansado de ver o céu sempre azul, enchia serras e vales de cânticos desesperados. Pedia água, o sangue da terra. Os caminhos já não eram caminhos, eram rotas de penitência. E, finalmente, choveu. A terra fez-se macia, suave, terna. E, em breve, tudo se transfigurou: as árvores encheram-se de ramagens e de ninhos, de cada átomo de terra surgia uma hastezinha verde e até as pedras se cobriram de musgo e acolheram nos seus interstícios numerosas florinhas silvestres.
                A semente de lilás partilhara do milagre. Passou Fevereiro. Passou Março. Agora era já uma arvorezinha esguia, de folhagem verde-escura, toda vibrante de canções que a brisa lhe murmurava ao ouvido. E sentia-se feliz: aprendera a olhar para as coisas e quantas maravilhas descobrira! O seu chão já não era duro na angustiada espera da chuva. Os socalcos, à sua volta, eram suportes de cortiços e as abelhas faziam-lhe boa companhia, sempre contentes e a fazer pela vida. Em cada socalco, uma amendoeirinha da sua idade enchia de brancura aquele recanto onde se julgara perdida e havia perfumes bons por toda a parte: a rosmaninho, a mel, a alecrim…
                Aproximava-se a Páscoa. A Primavera tinha chegado há pouco e o seu árduo labor não terminara. “Fada de bom fadar”, alegrava tudo aquilo em que a sua varinha mágica tocava. Cada rebento, cada flor, cada rego de água vivia na expectativa de novo milagre.
                O  coração do jovem lilás não lhe cabia no peito. Desejava despegar-se daquela terra, embora já a amasse , e deixar-se levar nas palavras suaves do vento que lhe falava de tanta coisa maravilhosa, em países distantes. Desejava ser todas as aves, o seu voo e os garotinhos da aldeia que vinham largar barcos de papel no regatinho ali ao lado e partiam para viagens sonhadas e sem fim.
                E nessa manhã, nessa manhã em que, pela primeira vez, se cobriu de flores, veio a saber que o seu destino era ainda mais belo. Foi então que chegou a menina e se pôs a bater palmas de contente. Depois, de mansinho, com os seus dedos suaves como asas, começou a recolher, um a um, os cachos perfumados do lilás. E só depois, quando já era uma grinalda sobre a brancura da toalha pascal, em volta dos bolos de azeite, da enorme laranja que exibia a moeda do óbolo e da garrafa de vinho generoso,  quando na sala entrou Cristo e o perfume da Ressurreição é que o lilás percebeu qual o verdadeiro milagre do seu destino.
 
                O lilás já viveu muitos anos e tornou-se um arbusto frondoso. Houve secas e desespero e, cada ano, a chuva chegou. A menina já não bate palmas e tem menos suavidade nas mãos.
Mas, todos os anos, quando a Semana Santa se aproxima, o lilás sente desejos de se desprender da terra e espera pelo milagre.
                Depois vai, humildemente, enfeitar a toalha pascal e perfumar a visita de Cristo.
 
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Sábado, 05.12.09

                                                                            

                                   Meus queridos netos:
 
                        Aqui há uns anos, por solicitação da nossa Paróquia, recebemos em nossa casa, durante cerca duma semana, duas meninas polacas que estiveram em Portugal, integradas num encontro de jovens fiéis de Taizé: eram a Alice e a Agnieszka, que logo cativaram a nossa simpatia.
                        De regresso ao seu País, da Alice em breve ficámos sem notícias mas a Agnieszka ainda hoje nos escreve frequentemente:no Natal, na Páscoa e sempre que se tem integrado nas Jornadas Mundiais  da Juventude, promovidas pelos Papas, João Paulo II e depois Bento XVI ou então nos grupos de Taizé , como ainda no ano passado, em Genève.
                        Correspondemo-nos em francês, língua que ela domina razoavelmente e assim vamos alimentando um convívio epistolar muito interessante. Eu bem gostaria de ir à Polónia, país que não conheço e, se Deus me ajudar, ainda penso recebê-la outra vez em nossa casa, o que calculo  lhe daria imenso prazer.
                        Já acabou os seus estudos em Economia e Finanças, e deixou a casa dos Pais, vivendo agora numa cidadezinha próxima, onde trabalha. Este verão enviou-nos um postal ilustrado de Leba, a praia do mar Báltico onde passou as férias e que me maravilhou pelas suas dunas.
                        Como todos os anos, traduzi para ela o poema que me inspirou este Natal e que se seguirá a esta carta.
 
                        Pois é verdade: já estamos na primeira semana do Advento, ou seja, iniciámos a caminhada para o Natal, esperando, com muita alegria e alvoroço, celebrar o nascimento do Menino Jesus, nosso Deus, feito homem para nos abrir o caminho do Céu. Será uma festa simples, com as celebrações litúrgicas da época e um contacto afectuoso com a Família e os amigos, bem como alguns pequenos gestos de solidariedade para com os mais necessitados, único presente que a Jesus  agrada receber, pois é o cumprimento do Seu mandamento fundamental :”Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. A mim parece-me impossível atingir essa meta, já que o Seu amor por nós foi tão perfeito, que O levou a dar, na Cruz, a Sua vida para remir os nossos pecados. Mas cada gesto de compaixão para com os que precisam há-de transformar-se, pela Sua Graça, em mais um passo no Seu caminho, caminho de perfeição e caminho de santidade.
 
                        Que o Menino Jesus guie sempre os vossos passos e vos dê a Sua mão para transpor os obstáculos que todos temos de enfrentar, são os votos que brotam dos corações dos vossos Avós e vos abençoam em Seu nome.
           
  
            NOËL DE TOUS LES JOURS
 
 
            C’est Noël quand Tu arrives,
            Petit-Enfant, mon Jésus…
            Pas le jour que l’on célebre,
            resplendissant de lumière
            - si ce n’est pas Ta Lumière.
 
            Mais Tu es toujours présent
            dans notre joie et peine,
            partageant notre Bonheur
            et notre souffrance humaine.
 
                        Qu’il soit toujours Noël
                        dans mon âme que je T’offre
                        pour la proteger du Mal,
                        la laver de tout péché,
                        y habiter tout le temps,
     même sans le mériter
 
 
C’est Noël! Gloire à Dieu!
Qui, nous envoyant Son Fils,
S’est fait plus proche de nous
et nous a ouvert les Cieux.
 
                                   Lisbonne, Noël de 2009
                                    Clementina Relvas
 
                                              
      Presépio artesanal, em cerâmica, do Brasil
                      Fonte: artesanum.com
 
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