Era uma já antiga tradição de família: de cada vez que nascia um bébé, plantava-se uma oliveira, árvore de paz e de felicidade, que iria acompanhar, ao seu ritmo, o desenvolvimento da criança e como que apadrinhá-la.
Nesse ano, e ao fim de muito tempo de espera e de expectativas, os Avós receberam a fabulosa notícia: anunciava-se a chegada, muito em breve, não de um mas de três bébés. O primeiro seria o Tomás, tão desejado pelo filho mais velho e para o qual a Mãe, desde há muito começara a comprar o enxoval. Mal teve o primeiro embate com o mundo que o esperava, logo o telemóvel levou, até àquela perdida aldeia da serra, a notícia do milagre. E, enquanto a Avó se apressou a levar a boa nova a familiares e amigos que eram, afinal, todos os habitantes do pequeno povoado, logo o Avô se pôs a analisar todas as pequenas oliveiras do seu campinho, para escolher a mais bonita e vigorosa. Assim que se decidiu, dirigiu-se para o pequeno jardim em frente da casa de férias do filho onde, com todo o amor que lhe ia na alma, a plantou e regou, creio que também com algumas mal contidas lágrimas de emoção.
Passado pouco tempo, o telemóvel trouxe outra notícia que, de esperada, se transformara em prodigiosa: a única filha não quisera deixar-se vencer pelo irmão e dera à luz dois gémeos, um menino e uma menina, perfeitinhos e formosos como dois anjos, acrescentava a mãe. O regozijo foi igual, que o coração dos Avós não tinha espaço para o sentir a dobrar, e a escolha e plantação das simbólicas oliveiras mereceram, da parte do Avô, um igual e comovido carinho.
Ora, apesar do seu coração generoso e do seu jeito patriarcal, quando todos se reuniram lá em casa, não deixou de comentar, com a leve nota de humor com que pintalgava as conversas:
- Agora vejam lá se isto se transforma em rotina! Qualquer dia, sem dar por isso, é mais um olival que eu tenho de cuidar.
Mas, sempre que lhe chegavam as saudades dos netos, lá ia ele regar as oliveirinhas e, vendo-as crescer, imaginava os progressos dos seus meninos. Tudo seguia o curso natural, natural e abençoado. Passaram os meses, aproximou-se o inverno e a neve começou a espreitar lá dos cimos mais altos. Preocupado com a fragilidade das plantinhas, fez para cada uma sua casota de vimes e carumas, deixando-lhes espaço para continuarem a crescer.
E eis que, numa inesperada visita, o filho lhe comunicou, radiante, que estavam à espera dum segundo filho, igualmente um rapaz. O Avô, já esquecido da sua gracinha sobre as rotinas e encantado por voltar a sentir o coração a transbordar com uma alegria tão intensa como da primeira vez, foi em busca de mais uma pequena oliveira que plantou, no quintal, ao lado da do Tomás para assinalar a chegada do João. Era um pouco mais esguia, mas menos copada, também porque um pouco mais nova.
O tempo foi passando e quando, numa das suas habituais deslocações à casa de férias, os pequenos foram, como de costume, visitar as oliveiras, o Tomás ficou radiante porque a sua já apresentava, a espreitar por entre as folhas verde-cinza alguns raros bagos, pretos como azeviche. Escusado será dizer que o João, como sempre acontece entre irmãos com pequenas diferenças de idade, procurou compensar a sua desvantagem, choramingando:
- Pois é, a minha oliveira ainda não tem azeitonas, porque eu nasci depois de ti, mas a verdade é que já está mais alta do que a tua e eu quase da altura dela.
E foi assim por muitos anos: as oliveirinhas, entretanto crescidas como os dois irmãos, foram sempre a válvula de escape para uma saudável competição. Qual deles era o mais alto, qual deles era o mais forte, até chegarem ao ponto de compararem a generosa colheita de cada ano com os resultados escolares, sempre compensadores para ambos.
A partir de certa altura, não era raro ir encontrar o Avô, então já muito velhinho, sentado junto ao tronco duma daquelas árvores, sempre alternando a sua escolha de acordo com cada um dos quatro amores que ainda tinham chegado a tempo de dar um novo sentido à sua vida.