Meus queridos netos:
Na vossa idade, o tempo parece estar parado no tempo. Mas, quando já temos uma idade avançada, ficamos, de vez em quando, estupefactos ao ver como as coisas, mesmo as mais importantes, passaram por nós, se sumiram na nossa memória e quando, por qualquer motivo, reaparecem, não podemos deixar de exclamar, às vezes angustiados: “O quê? Já lá vai tanto tempo?”.
Foi o que me aconteceu há dias quando, a propósito do gravíssimo acidente nuclear no Japão, assisti, na TVI a uma impressionante reportagem sobre a tragédia de Chernobyl, ocorrida na Ucrânia, faz hoje, precisamente, vinte e cinco anos!
Foi o maior desastre nuclear da história, em que a brecha num reactor despejou para a atmosfera mais de 200 toneladas de veneno radioactivo, provocando a morte a muitos milhares de pessoas, tanto na altura do acidente como ao longo de todos estes anos em que a radioactividade continuou a produzir os seus efeitos letais.
A catástrofe atingiu especialmente a Ucrânia, então região da ex-URSS, onde estavam localizadas essas instalações nucleares, mas também, e com muita gravidade, a Bielorrússia e a própria Rússia, espalhando-se ainda o efeito das radiações por alguns países do Norte da Europa.
O cemitério de Mitino, em Moscovo, acolheu, um tanto à socapa, (como à socapa foram oficialmente guardadas as informações sobre o cataclismo), os corpos de numerosos bombeiros que deram a vida pela comunidade.
E foram aparecendo os meninos, nascidos posteriormente, que, além das deformações físicas, vieram encontrar um país onde a alimentação é perigosa, devido às radiações que ainda hoje contaminam os produtos agrícolas e pecuários aí produzidos e o ar não se apresenta suficientemente puro para proporcionar uma vida sã e um desenvolvimento adequado.
Por isso foi criado um movimento internacional, em que Portugal também já participou dois anos, reunindo famílias de acolhimento que vivem perto da praia ou ali se podem deslocar com as crianças ucranianas, facultando-lhes, assim, alimentação e ambiente propícios ao fortalecimento das defesas imunitárias que lhes permitam resistir aos longos meses de inverno na Ucrânia.
E deste modo, quer se chamem Larissa, Kalina, Pavlo ou Vladir, são cerca de dezasseis crianças que vêm passar cinco semanas de verão em Portugal, despedindo-se, chorosos, do seu país natal e dos seus familiares e amigos para se alongarem depois, também chorosos, daqueles que os acolheram com muito carinho, facultando-lhes umas férias saudáveis, divertidas, inesquecíveis.
Lisboa, 26 de Março de 2011
Clementina Relvas
Localização de Chernobyl no mapa da Europa (fonte: news bbc.co.uk)