Meus queridos netos:
Mal tinha feito três anos, o Menino Jesus pediu a S. José:
- Papá, sabes qual é o meu maior desejo?
- Não, não sei, mas vais-me dizer qual é, não vais?
- Olha, Papá , aquilo de que eu mais gostava era de ter uma ovelha pequenina. Tu fazias-lhe uma caminha de madeira, baixinha, e eu punha-a no meu quarto, onde não incomodasse ninguém.
S. José prometeu, com alguma hesitação:
- Vou ver se consigo satisfazer o teu pedido…
Era um bocado difícil porque, nos campos em volta de Nazaré, havia, sim, alguns rebanhos de cabras, mais frugais, a que qualquer rebento de erva ou até um pedacinho de papiro, que alguém deitava fora, chegava para lhes ir matando a fome.
Às vezes passavam por ali algumas caravanas de beduínos, com os seus camelos onde transportavam todos os haveres e geralmente seguidos por grandes rebanhos de cabras, um tanto escanzeladas por se terem esgotado totalmente os resquícios de alimento que as iam aguentando de pé no anterior acampamento.
Por mais duma vez S. José procurou encontrar a ovelhinha de que andava à procura, mas em vão. Até que, finalmente, obteve uma resposta mais ou menos satisfatória:
- De facto, nós tínhamos uma ovelhinha encantadora mas muito imprevidente. Um dia em que tivemos de descer um íngreme despenhadeiro, a atrevida ovelhinha, sem atender aos nossos avisos, escorregou numa pedra e foi cair num buraco, donde, muito a custo, a conseguimos tirar. Isto foi na véspera de partirmos para esta viagem e todos ficámos desolados, principalmente as crianças, ao vermos que ela tinha fracturado as duas pernas e não podia acompanhar-nos. Talvez lhe devêssemos ter posto fim à vida para lhe pouparmos o sofrimento em que se encontrava. Mas ninguém foi capaz de tal crueldade. E lá a deixámos, muito aconchegada na palha da manjedoura, e nós sempre com este peso na consciência.
S. José, procurou manter um ar aparentemente desinteressado mas, como quem não quer a coisa, adiantou:
- Nenhum de vós será capaz de me levar até à pobre ovelhinha? Garanto que não ficará sem recompensa.
O chefe dos beduínos pensou para consigo:
- Querem ver que este nazareno não vai ter os nossos escrúpulos e vai fazer um festim para a família com a nossa desventurada ovelhinha?
Mas assentiram. Entretanto o Menino Jesus, que andava por ali a brincar com outros meninos, teimou em acompanhar o Pai, tal era a sua ansiedade de ter, enfim, a ovelhinha dos seus sonhos.
Quando chegaram ao acampamento abandonado, logo avistaram a manjedoura e, nela, à beira da morte, a ovelhinha desobediente. Foi o Menino Jesus que, apesar da sua pouca idade, lhe pegou com todo o cuidado, a atravessou nos seus ombros frágeis e se pôs logo a caminho de casa, na esperança de que a sua Mãe, tão sabedora de curas, mezinhas e tão compassiva, o ajudasse a salvar o pobre animal.
Mas qual não foi o espanto de todos quando, colocada no chão com o maior desvelo, a ovelhinha se pôs em pé e desatou aos pulos e às marradinhas, na brincadeira com o seu novo amigo, o Menino Jesus. S.José e Nossa Senhora trocaram um olhar cheio de amor e de mistério e só à noite, quando o Menino se foi deitar abraçado à ovelhinha é que Nossa Senhora desabafou, baixinho, para que ninguém a ouvisse:
- Olha, José, cá para mim esta é a primeira das inúmeras ovelhas dum grande rebanho que de que Ele há-de vir a ser o Bom pastor e pelas quais dará a sua própria vida.
S. José assentiu e ambos guardaram estas palavras nos seus corações.
Lisboa, 11 de Junho de 2011
Clementina Relvas