Quando era ainda criança, a minha Mãe tinha-me dito e repetido que havia, no Céu, um anjinho que velava constantemente por mim e me levava, com ele, para junto de Deus. Ensinou-me a rezar todas as noites, antes de adormecer, uma pequena oração, ingénua, que me enchia de confiança: “Anjo da Guarda, minha companhia, guarda-me de noite e de dia”. Tratava-se dum meu irmãozinho que morreu, com dois ou três anos, da queda do nosso cavalo Carriço.
Mais tarde perdi o meu primeiro filho, num acidente do parto e, no meio da profunda depressão que se seguiu, confortava-me a ideia de que, batizado in extremis, seria um segundo Anjo da Guarda a velar pelos meus passos e a interceder por mim junto de Deus. Era mais difícil para mim imaginar o meu terceiro Anjo da Guarda que me deixara a meio duma gravidez aparentemente normal, mas sabia, do fundo do meu coração, que era mais uma alma a juntar-se, no Céu, aos outros dois anjinhos que me protegiam, embora às vezes, inconsciente ou rebelde, eu escapasse à sua proteção.
Imaginava-os, sempre, como seres feitos de luz e reflexos da Beleza e da Bondade de Deus. Mas como três lindos bebés, com asinhas brancas e corações imaculados e compassivos.
Foi preciso ter ultrapassado os oitenta anos para sentir que Deus reservara, para mim, um outro Anjo da Guarda. Só então, e na sequência duma queda grave, eu reconheci, no meu marido, os anjos da guarda que também podem existir neste mundo e tomar conta de nós. Claro que a sua proteção vinha de longe, sobretudo desde o dia do nosso casamento, já passados mais de cinquenta anos. Eu estava sempre presente nos seus pensamentos e nas suas preocupações e era uma certeza de que Deus estava connosco. Passámos juntos muitos bons e maus bocados mas sempre partilhando a coragem necessária para os ultrapassarmos.
Há cerca dum ano dei uma queda que me impediu, e ainda impede, de fazer uma vida normal, mas sempre tive o seu braço amigo para me amparar e as constantes recomendações, que nem sempre aceito como devia, para ter cuidado e não me expor a novos riscos. Agora muitas vezes penso que esta sua solicitude não é de hoje, mas tem sido sempre o esteio da minha vida. Que, sem ele, não teria resistido, como acontece há mais de vinte anos a uma doença cancerosa, ainda hoje não totalmente debelada.
Nem à morte dos nossos bebés e, agora, ao agravamento do estado de saúde do nosso filho mais novo (Deus ainda nos deixou dois), internado, sem diagnóstico que nos anime, numa casa de saúde, onde, com o cansaço dos seus quase oitenta e seis anos, ele o vai visitar, todos dias, com o coração desfeito.
Que há os anjos da guarda das nossas orações, intermediários e mensageiros de Deus, fez sempre parte da minha fé. Mas que também há anjos adultos, a viver junto de nós e a protegerem-nos “de noite e de dia” das tormentas deste “vale de lágrimas”, é para mim, agora, uma nova e consoladora certeza.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011
Clementina Relvas