Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Terça-feira, 26.06.12

 

A Massa:

            200 grs. de farinha

            150 grs. de manteiga ou margarina derretida

            1 ovo inteiro

            1 pitada de sal

Juntam-se os ingredientes com leveza, com as mãos, até a massa ficar no ponto de poder ser estendida com o rolo. Se agarrar, deita-se um pouco mais de farinha, se estiver um pouco dura, acrescenta-se-lhe um bocadinho de água morna. Estende-se com o rolo numa superfície lisa e enfarinhada e forra-se com ela uma forma, previamente untada com margarina e polvilhada com farinha. Vai ao forno a 180º e, quando começa a subir, pica-se com um garfo  e espera-se até ter um leve tom dourado. Deixa-se arrefecer um pouco. (Pode-se fazer com massa quebrada ou mesmo folhada, congeladas.

 

O recheio:

Coloca-se sobre a tarte uma camada de rodas de tomate fresco e maduro, uma camada de fiambre e uma camada de fatias de queijo. Rega-se com um molho feito com um pacote de natas misturadas com três ou quatro ovos batidos e temperado com uma pitada sal e um pouco de pimenta moída na altura. Polvilha-se abundantemente com queijo ralado e vai ao forno até o recheio ficar cozido e o queijo gratinar.

Obs. Com esta massa podem inventar-se outros recheios, salgados ou doces.

 

           

 A HISTÓRIA

                                  

Nesse dia, precisava de fazer um prato diferente e rápido para o jantar com o meu filho mais velho que vinha jantar connosco. Dirigi-me ao telefone, (ainda não havia telemóveis), disquei o número e aguardei. Qual não foi o meu espanto quando ouvi, do outro lado, uma voz feminina, de timbre muito agradável a dizer:

- Então tome lá nota da receita da minha tarte.

Curiosa, apurei o ouvido e logo deitei a mão ao lápis e ao caderninho que estavam sempre junto ao telefone e comecei a escrever a receita da tarte que uma amiga partilhava com outra.

A conversa terminou assim:

- Muito obrigada, Maria Helena. Essa tua tarte deve ser deliciosa.

- E fácil e económica, pois podes pôr como recheio restos que queiras aproveitar: peito de frango guisado, courgettes, ou chourição ou… Podes cobrir a massa com um soufflé de atum ou camarão… E acompanhada com uma saladinha…

- Também posso usar um recheio doce, não?

- Ah sim, o da tarte de maçã ou de pêssego ou outro de que tu gostes.

A conversa parecia não querer acabar e eu tinha mesmo pressa de falar com o meu filho. Feito o telefonema para ele, resolvi experimentar a receita base, que ficou óptima e mereceu o comentário:

- Ó Mãe, que prato delicioso. É uma receita nova, não é?

- É sim. Sabes como a baptizei? É a tarte telefone. E, enquanto nos regalávamos, fui-lhe contando a história da tarte, que achou muito divertida.

                                   Clementina Relvas

publicado por clay às 01:28 | link do post | comentar | favorito
Domingo, 17.06.12
 

 

 

 

(Para a Cristina, o Zezinho

e para os netos das outras Avós interessadas)

 

Era uma vez,

de verdade,

e não como nas histórias,

uma menina

nascida

para bem da Humanidade.

 

Tinha pai, S. Joaquim

e tinha por mãe

Sant’Ana

mas foi Deus quem destinou

dar-lhe, sob forma humana,

uma alma branca, branca…

Nenhum pecado a manchou.

Teve pai e teve mãe,

como nós, teve parentes:

a sua prima Isabel,

mãe de S. João Baptista

e outros, todos diferentes.

Era humilde, dedicada,

brilhava com santo brilho

e, cumpridora da Lei,

amava, acima de tudo

o Senhor, que a destinava

 a ser a Mãe do Seu Filho.

 

Um dia, em que se empenhava

no trabalho habitual,

mandou-lhe Deus,

por Seu Anjo,

a mensagem capital

que nos ganharia os Céus.

 

 

O Anjo, S. Gabriel,

era assim que se chamava,

disse à menina: Maria,

foste escolhida por Deus

para seres Mãe do Seu filho».

E ela, que não entendia,

disse «Sim», sem hesitar:

«Eis a serva do Senhor,

que mais posso desejar?

cumprirei Sua vontade,

já que Deus assim o quis.

Por mim, vou continuar

a ser humilde e feliz

porque Deus se dignou

pôr em mim o Seu olhar.

Embora não compreenda

tão excelsa maravilha,

beijo a mão que me conduz».

E diz-lhe o Anjo: «Maria,

nunca existiu melhor filha.

Chama ao teu Filho Jesus».

 

 

E assim foi. Era preciso

um pai para dar o nome

perante os homens e a Lei,

quando nascesse o bebé.

E foi Seu pai adoptivo

um homem justo, José.

Para ser recenseado,

José, que era descendente

da casa do Rei David,

deslocou-se até Belém,

que estava cheia de gente.

E foi aí, num estábulo,

que nasceu o Rei dos Céus

e o mundo ficou contente.

Do Céu, os Anjos vieram

entoar os seus louvores

e também lá compareceram

as pastoras e os pastores

a adorá-Lo e a dedicar-Lhe

os seus presentes melhores:

cordeiros, queijos e mel

de bom grado os ofereceram.

Vieram, depois, os Magos,

homens sábios, experientes,

montados nos seus camelos

e trazendo outros presentes:

o ouro da realeza,

incenso da adoração

e a mirra, que anunciava

uma grande provação.

 

 

Havia, então, na Judeia,

onde o caso acontecia,

um rei, tirano e cruel

que o Menino perseguia.

Para ver se se livrava

de Jesus, o Deus Menino,

mandou matar todo aquele,

inocente e pequenino,

que a Jesus se assemelhava.

Mas veio um Anjo, do Céu,

- talvez o Anjo da Guarda,

minha e vossa companhia –

e revelou ao casal

o que Herodes pretendia.

S. José não hesitou:

serviu-se dum burriquito

para Maria montar

e fugiu para o Egipto,

onde ficou a morar.

Mas, quando Herodes morreu,

voltaram a Nazaré:

S. José, o seu Menino

e Maria, Sua Mãe.

 

Em uma carpintaria,

pertencente a S. José,

este voltou ao trabalho

e o Menino, ali ao pé,

o mesmo ofício aprendia.

Era um filho obediente,

mas um dia, com os Pais,

foi até Jerusalém

para a Páscoa celebrar.

Durante três longos dias

por todo o lado O buscaram,

aflitos, ansiosos,

e onde O foram encontrar?

Encontraram’O no Templo,

sentado entre os doutores,

que ouviam, extasiados,

procurando responder

às perguntas de Jesus.

Do Menino irradiavam

tantos, tantos esplendores

que já não era o Menino:

era uma fonte de Luz.

E Sua Mãe lamentou-se:

«Meu Filho, Tu não sabias que nós,

o Teu pai e eu andámos por todo o lado,

com o coração partido

por não Te termos guardado

e Te julgarmos perdido?»

Perdido eu, minha Mãe?

Como tal podia ser?

Era em casa de Meu Pai,

aqui, neste santo Templo,

que devíeis procurar,

porque de há muito sabeis

que é na casa de meu Pai

aqui, mesmo, o meu lugar».

Nossa Senhora calou-se.

Sorriu então S. José:

tinham achado o Menino,

ficara muito contente.

E, regressados a casa,

como outro qualquer menino,

bem educado e bondoso,

era-lhes obediente.

 

 

Viveu cerca de vinte anos

com Seus Pais, sempre afastado,

bem longe da multidão.

Quando o tempo foi chegado,

foi, por S. João Baptista,

baptizado no Jordão.

Seu Pai disse a todo o mundo:

«É este o meu Filho amado

em Quem pus o meu enlevo».

E foi enviado, então,

para vir, junto dos homens,

cumprir a Sua missão.

Deu vista aos cegos.

Aos coxos

restituiu o andar.

Perdoou muitos pecados

a quem se queria emendar.

Chamou à vida, de novo,

os que já tinham morrido

e foram ressuscitados.

Transformou a água em vinho

e um só pão em mais de mil,

para alimentar aqueles

que O tinham vindo a seguir.

Chamara doze discípulos

que, deixando quanto tinham,

apenas queriam servir.

Servir os necessitados,

propagar os mandamentos

que Jesus ia ensinando-

Falava-lhes por parábolas,

sabendo que era preciso

revelar, devagarinho

e de maneira acessível,

o que alguns julgavam  fábulas.

Mas não. Era a Lei de Deus,

baseada no amor.

Ir em busca da ovelha

desgarrada do pastor,

ou da dracma perdida,

ou receber aquele filho

que voltava, arrependido,

para casa do seu pai,

ciente de que o perdão

lhe seria concedido.

 

 

E assim passaram os anos,

sempre praticando o Bem

e semeando esperanças.

Fez o Sermão da Montanha,

onde, sem nada esquecer,

pôs as Bem-Aventuranças.

Feliz de quem as seguir,

feliz, abendiçoado,

pois será esse o caminho

para evitar o pecado.

- «O pecado? – perguntais

para eu vos responder.

Em que consiste o pecado?»

- Sabendo como Ele nos ama,

fazer o mal, sem olharmos

ao que O fazemos sofrer.

 

 

Mas prossigamos a história,

esta história verdadeira

que vos estou a contar.

Queria dar-lhe um fim feliz,

mas depende da maneira

como a soubermos olhar.

 

 

Vendo a enorme projecção

alcançada por Jesus,

temiam que Ele desejasse

ser rei de toda a Nação.

Fingiram não perceber

que o desejo mais profundo

de Jesus era fazer

a vontade de Seu Pai

e n’Ele salvar o mundo.

Mas como havia de ser?

Durante a Última Ceia,

na véspera de morrer,

tomou o pão e benzeu-o.

Disse: «Comei este Pão,

este Pão que é o meu Corpo

e a vossa salvação».

 

A seguir, pegou no Cálice,

no vinho que ele continha

e abençoou-o, dizendo:

«Este Vinho é o meu  Sangue.

Tomai e bebei d’Ele todos,

fazei-o em minha memória,

pois só beberei de novo,

convosco, na eterna Glória».

Que mais podia fazer

um tão grande Coração

do que, todo, se oferecer

a cada povo e nação?

Mas, para participar

em tão nobre Sacramento

que chamamos Comunhão

é preciso confessar,

com fundo arrependimento,

as culpas que nos mancharam,

pouco a pouco,  o coração.

Confessar ao sacerdote

que está em lugar de Deus

e nos pode perdoar

as faltas que cometemos

e deixar-nos comungar,

cada vez que o desejemos.

Esta é a Graça maior

de quantas nos deu Jesus.

Custou-Lhe infinita dor

por Sua morte, na Cruz.

 

 

Por Judas, Seu seguidor

e pela sua traição,

foi preso, manietado.

Fizeram-Lhe padecer

muitos tormentos e dor

e escarneciam d’Ele

sem a menor compaixão,

sem o mínimo temor.

Condenaram-n’O a morrer

da morte mais desonrosa:

ser pregado numa cruz

no meio de dois ladrões,

gente má e criminosa.

Mas um deles arrependeu-se,

pediu o Céu a Jesus,

que atendeu o seu pedido.

E mais, perdoou a todos,

os que O tinham ofendido.

Porque sempre foi de amor

e perdão, Sua mensagem,

pediu ao Pai: «Perdoai-lhes,

que não sabem o que fazem».

Teve sede e bebeu fel,

suou sangue, dor atroz,

que morte injusta e cruel!

Entregou nas mãos do Pai

Seu espírito liberto

e morreu por nosso amor,

ficando de nós mais perto.

Junto à Cruz, em agonia

por Seu Filho, que morrera,

estava a Virgem Maria,

 

 

João, discípulo dilecto

e algumas santas mulheres.

Quanto aos outros, que O seguiam,

ficaram de longe, a ver,

escondendo o seu afecto

dos que os podiam prender.

(E aquelas santas mulheres

mais haviam de fazer).

Quando O desceram da Cruz,

todo chagado e exangue,

foi para o colo da Mãe,

que Lhe enxugou o Seu sangue.

Depois houve um santo homem,

natural de Arimateia

e de seu nome José,

que O levou para um sepulcro

construído ali ao pé.

O túmulo ficou cerrado

com uma pedra inamovível,

guardado por sentinelas,

sem haver fuga possível.

Tendo passado três dias

e quando as santas mulheres

vieram para O ungir

com os perfumes rituais

e se chegaram mais perto,

não acharam nem sinais

de Jesus e, admiradas,

viram o túmulo aberto.

Correram, alvoroçadas,

para avisar os discípulos

que, não querendo acreditar,

foram ver com os seus olhos:

só lá estava o lugar

e as faixas que O envolviam,

com a forma do Seu corpo.

Que era feito de Jesus?

Toda a gente O vira morto…

 

 

Reviravolta na história

que tenho vindo a contar:

Jesus fora para o Pai.

Vencera a dor e a morte

e no Céu, ressuscitado,

reserva a todos a sorte

de se sentar a Seu lado,

desde que sejam fiéis

que não cometam pecado.

Mas até os Seus discípulos,

que O deviam conhecer,

não queriam acreditar

no que não podiam ver.

E foi então, com amor,

decidido por Jesus

ir-Se encontrar com dois homens

no caminho de Emaús.

Meteu conversa com eles,

abrasou seu coração,

partilhou a sua mesa

mas só O reconheceram

ao vê-Lo partir o pão.

Uma vez reconhecido,

Jesus voltou para o Céu

mas nunca nos deixou sós:

mandou, como prometera,

Seu Espírito, o Paráclito,

para estar junto de nós.

E assim, o Consolador,

presente em nosso baptismo,

é o nosso Redentor,

e está sempre a nosso lado,

a afastar-nos do abismo.

Porque é Ele que em nós apaga

o pecado original

e, presente em nossa vida,

livra-nos de todo o mal.

 

 

É este o final feliz

desta história verdadeira

que eu escrevi para vós

e em que pus toda a vontade.

Quero louvar o Deus Pai,

louvar Jesus, o Deus Filho

e o Deus Espírito Santo

que, sendo três, são um só,

a Santíssima Trindade.

É difícil de entender

mas Deus é tão grandioso

e nós somos tão pequenos

que não podemos medi-Lo

pelos critérios terrenos.

Há mistérios insondáveis

no pensamento de Deus.

Se não forem alcançáveis

por nosso pobre saber,

confiemos no Senhor

sempre pronto a nos valer.

 

 

Aqui termina esta história

e peço a vossa atenção

a tudo o que fica dito.

Mais vos podia dizer,

mas aqui vos deixo escrito

e vos quero prometer

que, a tudo o que perguntarem

procurarei responder

com a ajuda de Jesus:

o grande herói desta história

e fonte de toda a Luz.

 

 

Clementina Relvas

  

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Sábado, 09.06.12

Meus queridos netos:

 

Não se trata de nenhuma história de fadas. Trata-se das festas dos Santos populares, especialmente as de Santo António, que são tradicionais em Lisboa e celebradas com muito entusiasmo popular e alegria.

 

Têm lugar na noite do próximo dia 13 de Junho e nesse mesmo dia, com arraiais, marchas populares de vários bairros antigos, missa na Igreja que, perto da Sé Patriarcal, foi erigida em seu nome já que, com S. Vicente, é um dos padroeiros de Lisboa. Outro acontecimento de relevo são os “casamentos de Santo António”, a que concorrem cerca de duas dezenas de noivos e a quem a Câmara Municipal paga os fatos (de noiva e respetivos acessórios, do noivo), faz transportar de carro e oferece, bem como aos familiares mais próximos, um lauto e delicioso “copo de água” com bolo de noiva e tudo.

 

 

Os festejos começam, como já disse, na véspera noite, com as ruas populares da Baixa antiga enxameada de tascas e esplanadas repletas de foliões, que se regalam com febras de porco na brasa, ou sardinhas assadas servidas com batatas cozidas salada:  de alface, pimentos grelhados , cebola crua, cortada às meias luas e temperada de sal, azeite e vinagre.

 

O prato favorito é a sardinha, que também se vende na rua, grelhada à porta de casa de muitos moradores e comida apenas entalada num apetitoso pão (papo-seco). Para muitos é, com os bailaricos a cada esquina, e uma boa cerveja, o sonho de todo o ano e por isso é considerada a Rainha da Festa. Eis o segredo anunciado no início da carta.

 

            Na manhã do dia seguinte, há a missa, os casamentos no civil (embora haja agora um movimento para a Câmara patrocinar os noivos que optarem pela cerimónia religiosa), o jantar da boda e, à noite, as marchas populares, obedecendo a um tema de carácter nacional ou local; são encenadas e interpretadas pelos moradores, em geral apadrinhadas por um par de artistas do teatro, da rádio ou televisão, escolhidos entre os mais famosos. Voluntários andam meses a preparar os fatos, de acordo com o tema, mas sempre muito originais e garridos. Cada um apresenta uma canção popular e uma coreografia que, depois de muitos ensaios, desfila longas horas pela Avenida da Liberdade superpovoada, habilitando-se ao primeiro lugar, segundo o julgamento dum júri especializado e daí tirando uma fama que não trocariam por nada.

 

           

Já me esquecia dos manjericos, com sua bandeirinha de papel e uma quadra popular, presentes por todo o lado, para serem oferecidos a namorados ou a simples amigos. Em meu entender, foram eles e as sardinhas que inspiraram a imorredoura canção que tem o verso: “Cheira bem, cheira a Lisboa”.

 

            Mas, voltando à nossa sardinha, além de ter o lugar de relevo nos cartazes coloridos que todos os anos publicitam as festas, estou bem em crer que uma das molas para esta movimentação popular são as sardinhas, abundantes e saborosas precisamente neste mês de Junho.

 

 

                                   Lisboa, 9 de Junho de 2012

 

                                   Clementina Relvas

  

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Terça-feira, 05.06.12

 

 

Meus queridos netos:

 

 

            Comi hoje as primeiras cerejas do ano, com a mesma delícia de sempre, ou quase. Eram gradas, vermelhinhas, sumarentas mas faltava-lhes… o quê? Aquele enquadramento das folhas verdinhas da árvore, com os ramos pendentes, donde elas espreitavam, semiescondidas , fazendo parecer mais leve o trabalho dos que se ocupavam na sua apanha. Eram sobretudo mulheres, mas alegres, desembaraçadas, cuidadosas em preservar o pé do fruto, para sua mais prolongada duração. Eram também corajosas, pois como, muitas vezes, as cerejas mais baixas já tinham sido comidas pelos galináceos e outros animais da quinta, tinham de se arriscar a atingir os ramos mais altos, frágeis e tentadores pois eram os que se apresentavam mais guarnecidos de frutos, apesar das investidas dos pardais, gaios e outras aves, tão gulosas como eu do fruto abençoado.

 

            O Zezinho ainda não fez essa experiência, mas a Cristininha, agora no Algarve, teve o prazer de ir com o Pai e nós, os dois Avós, participar duma colheita, na quinta da Tia Maria Alice, então já muito doente, mas sempre acolhedora e simpática.

 

            A menina teve um grande desgosto de não a autorizarem a subir às tentadoras árvores mas, pouco a pouco, lá ia enchendo a sua cestinha de vime que, ufana, despejava na cesta grande do Pai. Foram uns dias de sonho, pelas cerejas, como pelo convívio não só com a família mas também com o rancho de mulheres palreiras que o meu cunhado tinha contratado para aquele trabalho sazonal.

 

           Como a quinta fica em pleno Alto-Douro, uma região encantadora onde as cerejas não são os únicos atrativos, demos imensos passeios de carro pelas maravilhas do Douro, Património da Humanidade: socalcos de vinhas, exibindo já os seus pâmpanos verdejantes, casas senhoriais cujo interior não tivemos oportunidade de visitar, mas de que, facilmente se adivinhava a beleza, paisagens de rochas imponentes debruçando-se no rio lá em baixo e, imaginem lá uma escadaria de madeira com quatrocentos degraus que só eu me atrevi a galgar. Os companheiros foram, de carro, buscar-me lá acima, o que lhes deu a oportunidade de contemplar mais uma vista deslumbrante: a Talisga.

 

            Fomos, uma tarde, visitar o Convento de S. Pedro das Águias, um original monumento medieval, cuja principal originalidade consiste em ter a porta da entrada voltada, a pequena distância, para um altíssimo rochedo. E o Douro sempre ao alcance dos nossos olhos!

 

            Num dos passeios, parámos em Valença do Douro e aproveitámos para, numa varanda sobre o rio Douro ali ao pé, comermos um rico lanche e, como não podia deixar de ser, a minha memória recuperou as muitas vezes em que, chegadas as férias grandes, eu vinha de Lisboa, de comboio e trocava a Faculdade por umas longas férias na minha aldeia, em casa dos meus Pais. Era o ninho: um lugar onde encontrava amor, distrações singelas e o descanso merecido.

 

 

            Se eu deixasse, as memórias nunca mais acabavam. Mas eu vinha falar de cerejas e o que se me apresenta sempre ao olhar é a minha netinha de oito anos, com o seu vestido de folhos e um chapeuzinho de palha com dois pares de cerejas a fingir de  brincos, risonha, sempre feliz e bem disposta. Que saudades!

 

                                   Lisboa, 6 de Junho de 2012

 

                                   Clementina Relvas

 

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