Meus queridos netos:
O meu neto Zezinho já não é Zezinho. É José António, assim como eu, com um certo desgosto, passei de Vóvó a avó Clementina e o Vôvô a avô Emílio. Não há papá nem mamã, mas pai e mãe como dizem os crescidos. Crescido também ele está, com os seus sete anos feitos há pouco, mas continua meiguinho, exprimindo-se agora com um vocabulário já muito elaborado: estou prestes a; é melhor que bom, é excelente; o polvo não tem patas tem tentáculos, etc.
Continua a parecer um anjinho, por dentro e por fora. Isto se esquecermos os momentos, agora mais raros, em que não desiste de manter a sua opinião (Quem manda sou eu).
Aqui há dias, numa das suas, para mim, sempre curtas visitas, teve comigo esta conversa encantadora:
- Olha, avó Clementina, nós temos de ajudar os velhinhos, porque eles também nos ajudam e até podemos aprender muitas coisas com eles, não achas?
- Claro que sim, além de que nós precisamos da vossa ajuda, porque começamos a ter menos forças, algumas doenças…
- Pois - atalhou ele – as tuas dores de costas, não é? Mas podes apoiar-te nos meus ombros, que eu, agora, até já estou bem mais crescido.
Referia-se a uma queda que eu dei há cerca dum ano e que, depois de três meses acamada, me obrigava a deslocar-me com as mãos apoiadas nos ombros de alguém que, à minha frente, me conduzia como se fosse ceguinha.
Um dia ele reparou nessa ajuda que me estava a dar o avô e quis ser ele a tomar o seu lugar. E lá fui eu, muito curvada, a fingir que me agarrava nos seus frágeis ombros, do meu quarto até à sala, onde todos se quedaram comovidos com esta cena. E foi há mais dum ano. Que rica memória!
Pois agora, embora já não precise de recorrer a essas ajudas, lá voltámos a repetir esta relação de carinho, ele todo contente por ser útil e eu, de coração derretido.
Beijinhos, meu anjo da guarda.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2013
Clementina Relvas