Meus queridos netos:
Para amenizar o tom de algumas das minhas cartas, resolvi partilhar convosco um texto por mim escrito há muitos anos, em que evoco uma situação real da minha infância: no Inverno, passávamos o serão à volta do lume, aproveitando o calor bom da fogueira, (onde crepitavam os toros de carvalho ou as cepas podadas das videiras) e, principalmente, o ambiente carinhoso da família, entretida com as inúmeras histórias saídas da memória ou da imaginação da minha Mãe. Quando ficávamos sozinhos, pegávamos num pau ou vide, acendíamo-lo no brasido e, fazendo-o girar, inventávamos mundos que só as crianças são capazes de criar e de entender. Assim:
- Ó grilinho , ó meu grilinho cri-cri! Já estou há tanto tempo à tua espera e tu hoje nunca mais chegas…
Na lareira ardem as últimas brasas e já todos se foram deitar. Fizemos muitos bonecos de fogo, brincando com eles até morrerem. Havia uma borboleta dourada e um carro de chamas puxado por dois cavalos brilhantes e uma bruxa velha que não brilhava mas deitava labaredas, o que pode ser perigoso.
Agora, os bonecos já morreram todos. E é por isso que tenho frio. Por isso e porque estou sozinho, à tua espera. Vem ter comigo e põe-te a cantar como nos outros dias: cri-cri-cri-cri-cri-cri.
Quando todos se foram embora e a cozinha começou a ficar escura, eu não tive medo das sombras. Acendi, outra vez, a minha varinha de vime e pus-me a fazê-la andar à roda. As sombras ficaram cheias de estrelinhas vermelhas e desenhei uma estrada muito comprida. Depois, eu era um capitão invencível e cada estrela um exército que eu comandava. A borboleta era, agora, uma princesa encantada e as estrelas caíam das suas mãos por ela ser a menina mais bondosa do mundo.
Vem, ó grilinho! O lume está quase apagado. Eu estou sozinho, tenho frio e tu esqueceste-te de me vir dar as boas noites. Se tu vieres depressa… mostro-te os meus bonecos de fogo… comando para ti o meu esquadrão de estrelas… e hás-de ver a menina que traça no mundo, ao passar… que traça no mundo…que traça...
-Cri- cri- cri- cri- cri- cri- cri!
Só então a Mãe se lembrou de que o menino tinha ficado a sorrir, ao pé do lume, como se estivesse à espera dum amigo ou duma avozinha velha, que sabe muitas histórias. Pegou ao colo no seu menino que continuava a sorrir e deitou-o na cama pequenina, enquanto, na cozinha, um grilo se lamentava:
-Cri… cri…cri…cri..cri…
Lisboa, escrito há muitos anos e revisto em 12 de Novembro de 2009, para que os dois tenham sempre a recordação de muitos momentos maravilhosos. Beijinhos, beijinhos!