Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Sábado, 07.11.09

 
Meus queridos netos:


Para amenizar o tom de algumas das minhas cartas, resolvi partilhar convosco um texto por mim escrito há muitos anos, em que evoco uma situação real da minha infância: no Inverno, passávamos o serão à volta do lume, aproveitando o calor bom da fogueira, (onde crepitavam os toros de carvalho ou as cepas podadas das videiras) e, principalmente, o ambiente carinhoso da família, entretida com as inúmeras histórias saídas da memória ou da imaginação da minha Mãe. Quando ficávamos sozinhos, pegávamos num pau ou vide, acendíamo-lo no brasido e, fazendo-o girar, inventávamos mundos que só as crianças são capazes de criar e de entender. Assim:


- Ó grilinho , ó meu grilinho cri-cri! Já estou há tanto tempo à tua espera e tu hoje nunca mais chegas…


Na lareira ardem as últimas brasas e já todos se foram deitar. Fizemos muitos bonecos de fogo, brincando com eles até morrerem. Havia uma borboleta dourada e um carro de chamas puxado por dois cavalos brilhantes e uma bruxa velha que não brilhava mas deitava labaredas, o que pode ser perigoso.


Agora, os bonecos já morreram todos. E é por isso que tenho frio. Por isso e porque estou sozinho, à tua espera. Vem ter comigo e põe-te a cantar como nos outros dias: cri-cri-cri-cri-cri-cri.


Quando todos se foram embora e a cozinha começou a ficar escura, eu não tive medo das sombras. Acendi, outra vez, a minha varinha de vime e pus-me a fazê-la andar à roda. As sombras ficaram cheias de estrelinhas vermelhas e desenhei uma estrada muito comprida. Depois, eu era um capitão invencível e cada estrela um exército que eu comandava. A borboleta era, agora, uma princesa encantada e as estrelas caíam das suas mãos por ela ser a menina mais bondosa do mundo.


Vem, ó grilinho! O lume está quase apagado. Eu estou sozinho, tenho frio e tu esqueceste-te de me vir dar as boas noites. Se tu vieres depressa… mostro-te os meus bonecos de fogo… comando para ti o meu esquadrão de estrelas… e hás-de ver a menina que traça no mundo, ao passar… que traça no mundo…que traça...


-Cri- cri- cri- cri- cri- cri- cri!


Só então a Mãe se lembrou de que o menino tinha ficado a sorrir, ao pé do lume, como se estivesse à espera dum amigo ou duma avozinha velha, que sabe muitas histórias. Pegou ao colo no seu menino que continuava a sorrir e deitou-o na cama pequenina, enquanto, na cozinha, um grilo se lamentava:


-Cri… cri…cri…cri..cri…


Lisboa, escrito há muitos anos e revisto em 12 de Novembro de 2009, para que os dois tenham sempre a recordação de muitos momentos maravilhosos. Beijinhos, beijinhos!


 

 

publicado por clay às 23:26 | link do post | comentar | favorito
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Novembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
15
16
17
18
19
20
22
23
24
25
26
28
29
30
últ. comentários
O Livro e o autorSugere-se a análise do Livro: “Da...
Venha conhecer o nosso cantinho da escrita... Visi...
Querida Professora Acabei de ler o comentário da m...
Cara Drª Clementina Relvas,Vim hoje visitar o seu ...
Querida Vovó... ou Querida Professora:Para quem cu...
Querida Professora ,Estive uns tempos sem vir ao s...
Cara Sandra:É sempre um grande prazer e compensaçã...
Olá Cristina,tive o prazer de conhecer a su...
Dra Clementina :Fiquei feliz por receber uma respo...
Lisboa, 20 de Maio de 2011Peço desculpa de só agor...
mais sobre mim
blogs SAPO