O grande sonho da menina era ver chegar o dia em que a sua Madrinha, como tinha prometido, a achasse competente para receber aquela boneca de porcelana, que abria e fechava os seus lindos olhos azuis. A menina não cessava de se imaginar a pentear aqueles longos cabelos loiros, a mudar-lhe as roupinhas, a acalentá-la com o mesmo amor que a sua mãe punha em todos os seus gestos de embalo.
Um dia, era por altura do Natal, a menina pedira mais uma vez ao Menino Jesus que a sua prenda fosse aquela boneca, há tanto tempo desejada. Já andava na quarta classe e ouvia frequentemente os adultos comentarem:
- Como esta menina está crescida! Não há outra, na aldeia, tão educada e sensata.
Era sobretudo esta última palavra que inundava de doce esperança o seu coraçãozinho. O Natal nunca mais chegava e fez-se anunciar pela visita de pessoas da família, que vieram duma aldeia vizinha desejar as Boas-Festas. Com os pais chegou um rapaz já crescido e uma primita pouco mais velha do que ela. Para a manterem entretida naquele ambiente em que predominavam os adultos, emprestaram-lhe, para brincar, a boneca de porcelana. A menina ficou com o coração nas mãos, receosa de algum desastre. Mas, quando já se despediam, respirou de alívio pois a boneca ali estava, perfeita e bela como sempre.
Conversa puxa conversa mesmo na soleira da porta, até que, agarrada à boneca com todas as forças, a visitante ficou a pontos de fazer uma birra que, aliás, já não condizia com a sua idade. E, conhecendo-a bem, a mãe deixou cair a frase fatal:
- Como a Alicinha (a minha Madrinha) já há muito que não brinca com bonecas, quem sabe se não quererá fazer de Pai Natal e dar a boneca à priminha?
A menina sentiu um baque insuportável no coração e, sabendo a importância que a sua família dava àqueles parentes, embora um pouco afastados, viu o horizonte carregar-se de ameaças e de perigos.
Tinha razão o seu coraçãozinho pois, quando todos se foram embora, levaram consigo, para sempre, o sonho mais acarinhado pela menina: a sua linda boneca de porcelana.
Os anos passaram, sem jamais apagarem de todo aquele desgosto de infância. A menina casou, teve filhos mas nem uma menina para ocupar o lugar vago. Sempre a ouviram comentar, com tristeza:
- Com tantos brinquedos que há agora e eu nunca tive uma boneca. Ou melhor, tive uma que não chegou a ser minha.
Foi então que num outro Natal, o filho mais novo que já tinha dezassete anos, lhe ofereceu, muito bem embalada, uma grande caixa, donde tirou uma boneca, dizendo:
-Vem um pouco fora de tempo, mas espero que ainda a console dos desgostos antigos. E, quem sabe? Talvez a possa partilhar com uma netinha que um dia virá a ter e tudo ficará bem.
Assim foi. A segunda boneca era muito bonita, com uma grande cabeleira castanha e olhos esverdeados, que também abriam e fechavam quando chegava a hora de dormir. Foi uma grande companheira nos faz-de-conta de avó e neta e assim se desvaneceu, definitivamente, o vazio que se tinha prolongado por tantos anos, motivo por que foi fotografada para este post !