O ar está a tornar-se irrespirável, letal. Tudo, pessoas e coisas, progressivamente se esfumam, como naquelas
manhãs em que os aviões têm de continuar em terra, apesar dos protestos dos que veem os seus planos gorados: passeios, negócios, encontros sentimentais, tudo aquilo de que a vida é feita e agora parece prestes a soçobrar no nada.
Os arranha-céus apagam a sua majestosa imponência numa nuvem de fumo que lembra o rescaldo dum grande incêndio, mas a verdade é que estão incólumes. Se incêndio houver, ainda mal começou, embora ameace vir a ter proporções dantescas.
Que estranho fenómeno! - pensa o relógio, de si para si: Colorido e nítido aos olhos que sabem e querem ver, tem um lugar central, no meio dum abundante feixe de ramos, despidos de folhas e um molho de lisos troncos, com as raízes desaparecidas por um corte certeiro, como se se tratasse dum arranjo envenenado para dar a
alguém que se ame – continua o relógio nos seus funestos pensamentos.
E aquele grupo de seres, cujas formas e feições estão reduzidos a esboços, eles que, ameaçados como os arranha-céus, estão a caminho da destruição total? Caminham como cegos. Desviados para os mais fúteis pensamentos, julgam-se eternos, sem se aperceberem do lixo espalhado por toda a parte, das emissões de carbono emitidas pelas fábricas, por carros que proliferam aos milhares mas que só os perturbam quando lhes roubam o espaço para estacionarem o seu; e fenómenos da natureza que dantes eram mais raros e menos destruidores. Sim. As calotes de gelo a derreterem nos polos, provocando todas essas calamidades ... Nada disso os preocupa, embora sintam os olhos cada vez mais nublados, tanto que já nem se apercebem do relógio, das suas cores vivazes e que insiste em comer o tempo que se esvai.
O relógio? Será que o relógio, o tempo,sairá incólume, para medir a eternidade que nos foi prometida por Deus?
Lisboa, 29 de Novembro de 2012
Clementina Relvas