Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Sábado, 26.01.08

         

         Esta minha carta é especialmente dirigida para ti e tu sabes porquê: começaste há pouco tempo a descobrir o fascínio da Internet e tens um grande desejo, como é próprio da tua idade, de ter muitos amigos e amigas e de que eles te acompanhem pela vida fora.

          Perguntaste-me como é que eu consegui conservar, até hoje, amigas do tempo da Faculdade – e até mais antigas – e se os amigos não são aqueles que estão sempre de acordo connosco, prontos para nos ouvirem, nos ajudarem nos estudos, nos convidarem para o cinema e para festas e até para partilharem connosco alguma aventura «fixe».

         Não concordei totalmente contigo porque, repara: Como é que podem estar sempre de acordo connosco, se cada um de nós tem de pensar pela sua cabeça e habituar-se a assumir a responsabilidade das suas decisões? E,quanto às aventuras a que chamas «fixes», não poderão, às vezes, colocar-nos em situações embaraçosas ou levar-nos, até, para caminhos perigosos?

          Concluíste das minhas palavras que eu era «contra a Internet», o que considero falso e bastante precipitado. Pelo contrário, eu acho que a Internet foi uma descoberta extraordinária e sinto-me privilegiada por se ter verificado ainda no meu tempo. É um instrumento precioso, que poderemos utilizar das mais variadas maneiras: é uma inesgotável fonte de informação, um óptimo auxiliar de estudo, de trocas de ideias e de experiências científicas – até já se fazem operações por vídeo-conferência – e, como nunca tinha acontecido antes, traz o mundo inteirinho até nós, permitindo-nos, assim conhecer o mundo inteiro.

          Embora não consiga transmitir-nos, integralmente, o fascínio das viagens e a intensidade das emoções que elas nos proporcionam, podem ajudar-nos a prepará-las para que tiremos delas o máximo proveito.           Lembraste-me então – como se eu me fosse esquecer! – do teu convívio, na Internet, com os grandes artistas de todos os tempos e disseste-me que, só o Louvre, tinha ocupado toda uma tarde que tinhas desocupada. Acrescentei que, na Internet, também podemos ter acesso a jornais e revistas (inclusivamente o "Jornal de Letras") e até a livros de grandes autores.

         Mas é preciso saber separar o trigo do joio.   

         Confessaste-me, enfim, um grande segredo: estás a escrever um blogue, onde expões as tuas ideias sobre o que se passa à tua volta, na Escola e no mundo, as tuas dúvidas e perplexidades e até já recebeste comentários de diferentes partes do mundo. Que bom! Só espero que a Internet não vá usurpar o tempo que sempre destinaste ao estudo, o que fez de ti tão bom aluno e que não troques o teu escorreito português por Kuantas barbaridades enxameiam os e-mails e as mensagens. Acho que já te tinha convencido do meu interesse pela Internet. Mas pensei que era forçoso regressar ao princípio, porque te restavam dúvidas quanto aos amigos virtuais e pediste a minha opinião sobre esse aspecto da Internet. Aliás, perguntaste-me abertamente: «Então não acreditas nos amigos virtuais?». Tive de confessar, mesmo correndo o risco de parecer moralista e antiquada, que se te referias àquelas dezenas de nomes que se acumulam no teu Messenger, com alguns dos quais trocas meia dúzia de frases banais e depois trocas por outros, eu não podia ser mais radicalmente contra. Não, não acredito nesses amigos.

         A amizade é uma lenta construção: tem de se basear no conhecimento, tão perfeito quanto possível, do amigo e nos laços de confiança, empatia e até mesmo admiração que sentimos por ele. E também na nossa capacidade para desculpar os seus defeitos, pois toda a gente tem alguns. Ora, como é que esses sentimentos se podem desenvolver em relação a pessoas que nunca vimos, que não conhecemos pessoalmente nem podemos conhecer porque, tanto quanto sei, usam ocultar o seu nome, morada e identidade sob o disfarce da mentira? 

Concordaste que era uma regra de segurança não fornecer essas informações e eu fiquei contente por estares precavido. Eu acrescentei que essas regras são para cumprir à risca porque, se há algumas raras excepções felizes nesses convívios, por essas poucas excepções, quantas desilusões e quantos dramas se não têm verificado?

           E, com a esperança de te ter ajudado, tive de confessar que não acredito nos amigos virtuais e que jamais procuraria encontrar um, até porque considero as conversas com eles uma pura perda de tempo que nos pode fazer falta para cultivarmos as amizades reais.

 

                Lisboa, 14-12-07

               Clementina Relvas

         (Uma avó desconhecida, antiga professora de português e muito preocupada).

publicado por clay às 15:55 | link do post | comentar | favorito
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