A abelha dourada esvoaçava à sua volta. A flor em botão escutava o seu zumbido mas não percebia. Era ainda muito nova. Nascera naquela manhã, não tinha experiência da vida.
Depois, com o calor, uma das suas pétalas entreabriu-se um pouco, mas a abelha continuava a implorar: zzz-zzz-zzz.
Ao fim de algum tempo, a rosa começou a compreender, pois as rosas sabem falar vária línguas, entre elas as das abelhas. De resto, toda a gente via logo qual era o intenso desejo da abelha.
A rosa abriu-se um pouco mais e a abelha não se poupava a esforços para atingir o seu fim: chegar ao coração da rosa. E, ao fim de algum tempo, era já um lamento o seu zumbido: z- z- z…
Finalmente, a rosa compreendeu. Mas gostava tanto de ver as outras flores, as borboletas e toda a vida que se agitava à sua volta, naquele dia de sol, com o regatinho a brilhar por entre os juncos, que não se decidia a abrir, generosamente, as suas pétalas. Tinha medo da morte. Amava a vida.
A abelha já quase nem tinha forças para zumbir, pedindo o pólen. Estava morta de fome e de cansaço. Mas a rosa fechava-se na sua juventude recente e no seu apego às margaridas da margem do regato, a brilhar ao sol, embora uma vozinha, dentro de si, lhe censurasse, nem ela sabia bem o quê.
Zzzzzz- zzzzz- zz- z…
Então as pétalas abriram-se espontaneamente e, quando à tardinha, um sopro de vento a desfolhou, adormeceu feliz, junto ao regato, que mansamente cantava, entre os juncos da margem, o louvor daquela vida breve mas fecunda.
Lisboa, há tantos anos que já nem sei
Clementina Relvas