Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Domingo, 25.04.10

 

 

        Não há dúvida de que aquela clareira, rodeada de pinheiros mansos, era uma pequena amostra do Céu  Em primeiro lugar, havia essas   árvores de copas redondas, com grande abundância de pinhas e ramagens para brincar às escondidas. Durante todo o verão os grilos animavam o recinto, que mais parecia uma discoteca. E às vezes era: quando um dos grupos de crianças que frequentavam o local resolvia fazer uma dança de roda ao som de bonitas canções aprendidas na Escola . Mas isso era depois do lanche. Aliás, muitas vezes os mais pequenos esqueciam as suas brincadeiras e punham-se a observar o esquilo que, entre os ramos, lhes fazia negaças, enquanto com os dentinhos afiados, ia tirando, um a um, os pinhões com que se regalava. Também lhe deviam saber a pouco os bocadinhos de bolacha, de bolo ou mesmo de pão que os meninos deixavam cair na clareira, sempre na esperança de verem o guloso aproximar-.se. Mas qual quê! É verdade que, mal se afastavam por um bocadinho, nada restava ao regressarem. Mas, nunca tendo visto o esquilo, sempre ficavam na dúvida se teria sido ele ou um dos numerosos pardais, que por ali cirandavam o beneficiário das suas migalhas.

 

      Depois, os meninos iam-se embora, muito felizes pela tarde tão divertida e nem lhes passava pela cabeça que o esquilo era, às vezes, uma esquila, ou seja, tratava-se dum casal que procurava revezar-se na guarda e alimentação de duas crias fofinhas, enquanto se divertiam um pouco com as brincadeiras dos meninos. Mas nada de confiança: sempre lá do alto ou quando a clareira ficava completamente livre.

 

     Então, os grilos faziam cri-cri, as borboletas, silenciosas e ligeiras, volitavam de corola em corola, evitando as abelhas zumbidoras, azafamadas na sua tarefa de recolherem o pólen para, no cortiço, fabricarem o mel.

 

     Um dia toda a pacata família ficou aterrorizada, ao ouvir o guarda do parque dizer para o seu ajudante:

 

     - Isto não pode continuar assim. Eu sempre disse que aqui não era lugar para esquilos. Todos os dias temos de varrer os restos das pinhas que deixam cair, lá do alto, para a clareira dos piqueniques que, tal como o resto do parque, tem de estar sempre um brinquinho.

 

     O ajudante ainda disse, meio a medo:

 

     - Mas estes esquilos são tão simpáticos e discretos que não lhes podemos fazer mal. Além disso, têm aqui a sua casa e a sua pequena família…

 

     - Mas, olha lá! Quem é que pensou fazer-lhes mal? Vamos apenas mudá-los para o Espaço Aventura, onde já têm uma boa dúzia deles.

 

      O ajudante referiu, entre dentes, o perigo que representava para os esquilos a estrada que separava as duas partes do parque, com carros sempre a ultrapassarem os limites da velocidade. mas o guarda tinha bom ouvido e disse:

 

       - Também já tinha pensado nisso. Vou colocar na estrada um sinal de trânsito só para eles, com um esquilo desenhado e a devida faixa vermelha.

 

            E tudo foi feito como estava planeado, embora com algumas correrias, para, com a rede, apanharem todos os esquilos e levá-los para a nova  morada. Aí, tinham vários vizinhos instalados em frondosas árvores. Nalgumas delas tinham mesmo construído umas pequenas casas muito engraçadas, com um portinha para espreitar o que se passava nas redondezas e todas pintadas de cores vivas e alegres. Até lhes davam água e ração, para que nada lhes faltasse.

 

            Mas faltava. E sabem o quê? O cri-cri dos grilos da clareira, as ligeiras borboletas e as atarefadas abelhas, mas, sobretudo, as brincadeiras dos meninos, com quem eles próprios jogavam às escondidas, lá de cima, enquanto os ouviam dizer:

 

              - Coitadinho! É só um e vive sozinho.

 

             - Não é nada. São dois e desconfio que até têm filhotes e que é para os mimarem que vêm buscar as migalhas que lhes deixamos.

 

             - És teimoso que nem um burro. Já te disse que as migalhas são o petisco dos pardais. Apanham-nas tão lépidos que nunca os esquilos conseguiriam chegar antes deles.

 

            Tinham, realmente, saudades da clareira. E dos meninos. Mas em breve, rodeados de amigos, chegaram à conclusão de que, também ali foram encontrar um pedacinho do Céu.

 

Clementina Relvas

publicado por clay às 00:42 | link do post | comentar | favorito
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