Aqui havia uma frondosa floresta, com árvores cuja idade já ninguém conhecia e raras, muito raras. Para mim, era um vestígio da obra incomparável de Deus, que, no momento da Criação, tudo fez para um mundo perfeito. Havia sequóias, cuja altura desafiava os céus e assim podiam brincar com as nuvens, tão diferentes em forma e densidade; havia gigantes fetos arbóreos cuja copa se abria generosa, para acolher aves de toda a espécie, quando fazia sol ou se chovia. E outras, muitas outras, com nomes exóticos que a minha memória não foi capaz de guardar.
Um dia apareceu por ali um grupo de homens, ignorantes e pobres – características que em geral andam juntas – comandados por um outro, impante de orgulho e de anéis de ouro, que, apontando para uma potente e moderna serra mecânica, lhes disse peremptório:
- Eu quero isto arrasado quanto antes. Com as máquinas que estão para chegar e a força dos vossos braços movidos pelo meu dinheiro que, aliás estais sempre a achar pouco, não vou aqui deixar pedra sobre pedra, ou melhor, uma árvore, um arbusto, mas só o chão coberto de capim, que em breve as chamas vão reduzir a cinzas. Depois semearei forraginosas e trarei para aqui as minhas duzentas vacas, que em breve parirão, transformando a minha manada na maior que, por aqui, jamais se viu.
Os operários ficaram, ao mesmo tempo, deslumbrados e receosos da tarefa que os esperava, mas, na sua imaginação, já viam aquele vasto território transformado num verdejante prado e o patrão a enriquecer dia a dia, mas sem nunca perder a arrogância e a avareza. Seria o rei daquela pradaria e, pelo menos, dar-lhes-ia trabalho que os livraria de morrer de fome, com as suas famílias.
Ora, acocorado atrás dos outros todos, estava um índio que tinha nascido ali perto e que, da sua infância, recordava um desafio que tinha feito a si próprio: trepar até ao cimo duma sequóia e, lá do alto, desvendar todos os segredos da floresta e do rio, que, num jogo de esconde-esconde, se negava a mostrar-se em toda a sua extensão e a sua força. A verdade é que, por mais esforços que tivesse feito, nunca tinha conseguido ultrapassar a altura do coqueiro que o avô plantara no quintal, mas a sua consolação era que nenhum dos seus amigos, por mais ágeis que fossem, tinham conseguido levar a cabo tal façanha.
Tinha ouvido conversas de estrangeiros que falavam dessas transformações que estavam a ocorrer em toda a parte como se dum flagelo se tratasse, deixando as populações locais sem ar puro para respirarem e, pior que tudo, afastando para longe as chuvas benfazejas que faziam crescer o milho. Por ele, o que mais lhe doía era pensar que tinha de desistir do seu sonho e renunciar àquelas árvores que tinham dado sentido à sua infância e que nada mais voltaria a ser como fora.
Ocultou a cabeça num chapéu de abas largas, recordação dum desses estrangeiros, deixou correr duas lágrimas teimosas e afastou-se devagar, pensando que, sozinho, nada podia fazer para evitar a catástrofe, mas, pelo menos, o seu coração estaria tranquilo e puro para rezar aos seus deuses por aquela abençoada terra onde nascera e que era parte da sua pobre vida.
Clementina Relvas