Estrelícias - Flor abundante na Madeira
Meus queridos netos:
Ainda há tão pouco tempo lamentava, neste mesmo espaço, a tragédia que quase aniquilou o Haiti, onde tantas pessoas perderam a vida, levadas por um sismo devastador que encheu de horror e compaixão, traduzida numa imensa onda de solidariedade, gente de todos os cantos do mundo e eis que, no fim da semana passada, a desgraça veio bater à nossa porta: chuvas diluvianas abateram-se sobre a Ilha da Madeira, transformando, em cerca de uma hora, aquele paraíso de vegetação luxuriante, hotéis de luxo, bonitas moradias e um povo alegre e acolhedor, num caos de lama e de lágrimas.
De facto, para quem, como o Vôvô e eu, conhecia a beleza daquele autêntico presépio, com o casario a trepar pelas encostas, a sua incomparável costa marítima, pontuada por tantas povoações airosas, floridas e impecavelmente cuidadas, a sua floresta de laurissilva, já classificada como património da Humanidade, a variedade de frutos e de flores, em grande parte exóticos, como que a estabelecer a ponte entre o Continente e as terras de África, era quase insuportável ver aquelas avalanches de lama e enormes pedras, precipitando-se das terras altas em direcção à cidade, fazendo transbordar as ribeiras, inundando casas e ruas num autêntico dilúvio inesperado e dramático.
Viam-se estradas subitamente aluídas, carros a serem arrastados pela corrente imparável que se erguia, aqui e ali, em altas vagas, fazendo fugir, aterrorizadas, as pessoas apanhadas desprevenidas ou então, cheios de enormes pedras, com os vidros estilhaçados e as carroçarias reduzidas a sucata, rodeados por um mar de lama e de destroços. Não se podia acreditar! Mais parecia um filme-catástrofe mas, infelizmente, tudo era bem real.
Viam-se pessoas, despojadas de todos os seus bens, lamentarem não tanto os prejuízos sofridos como os familiares ou amigos a que a catástrofe tinha tirado a vida ou se encontravam desaparecidos, com poucas probabilidades de virem a ser salvos. Pelo menos duas famílias tinham perdido sete dos seus oito membros…
Mas, sempre no meio destas calamidades há manifestações de que o homem, no fundo de si mesmo, guarda um grande tesouro de bondade: de solidariedade, de compaixão e até de heroísmo como aquele bombeiro voluntário que, depois de, com muito custo, ter conseguido pôr a salvo cinco familiares, não pôde ficar indiferente aos pedidos de socorro duma vizinha. Sabendo bem o perigo que corria, voltou atrás para a ajudar e ambos foram engolidos pela enxurrada. Foi hoje a enterrar. Um herói do nosso tempo e da vida quotidiana.
Isto para não falar dos inúmeros apoios que têm chegado de todo o lado ao quartel do exército que foi o primeiro refúgio para os que tudo perderam e aí acharam um tecto, refeições quentes, roupas e carinho.
Milionários dispuseram-se a fazer grandes doações para a reparação dos estragos, pessoas modestas retiraram alguns euros do pouco que tinham para os seus gastos e, pasme-se! até os políticos que há poucos dias se “engalfinhavam”para retirar ao orçamento da Madeira uns milhões que achavam exagerados, se deslocaram ao local da tragédia e…fizeram as pazes.
E ele há coisas! Então não é que um chorudo Totoloto saiu, inteirinho, a alguém que, exactamente nesse infausto dia, tinha registado o seu boletim numa tabacaria da Madeira? Esperemos que, também essa pessoa, se disponha a partilhar a sua boa sorte com as vítimas de tão impressionante catástrofe.
Beijinhos da Vóvó e do Vôvô
24/02/2010