Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Terça-feira, 16.02.10

 

Os meus olhos encheram-se do pó
das casas a ruir,
e, mesmo assim, captaram imagens
de corpos esmagados,
de braços estendidos dos escombros
pedindo, em vão, auxílio,
tarde para o pedir.
 
Uma velhinha rezava na Catedral
e salvou-se.
De cara enrugada e suja,
era Jesus que estava nos seus lábios
e, Água Viva,
não deixou que secassem,
não deixou que parassem
de rezar.
 
Um menino, ao colo dos bombeiros,
saudava a vida, de braços estendidos
a Jesus,
que é para sempre,
no Presépio ou na Cruz.
 
 
E eu perguntava-me:
“Porquê, Senhor, porquê
só alguns e não todos?
Não haveria justos entre os mortos
e pecadores nos que foram poupados?»
 
Aflita, sem resposta,
lembrei-me das palavras de S. Paulo:
“Nós hoje vemos como por um espelho,
de maneira confusa”,
mas temos a melhor de todas as respostas:
a virtude maior, a Caridade,
que não nos deixa ignorar o próximo,
deixá-lo, sem socorro à beira da estrada
e seguir nossa rota de egoísmo,
de faz de conta que não vimos nada.
 
                                     Lisboa, 29 de Janeiro de 2010
 
                                               Clementina Relvas
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publicado por clay às 00:34 | link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 15.02.10

                      

Meus queridos netos:
 
                               Para o Zezinho, nos seus inocentes quatro anos de idade, esta terrível catástrofe não existiu. Talvez a venha a conhecer quando, se for curioso da História, ler o muito que se escreveu sobre este inesperado e devastador abalo sísmico que, no passado dia 12 de Janeiro deste ano de 2010 , quase reduziu a cinzas a cidade de Port-au-Prince e outras localidades da ilha de “Espanhola”, que o Haiti partilha com a República Dominicana, nas Caraíbas.
                               Já o mesmo não sucedeu com a Cristininha, chocada e comovida com as imagens e os relatos da tragédia, repetidamente difundidos por todos os meios de comunicação social, a nível planetário, tanto mais que, pouco tempo antes, tinha experimentado a assustadora sensação dum abalo sísmico que se sentiu particularmente no Algarve, embora sem consequências de gravidade. Para ela, como para outros que porventura me lerem, talvez vejam um retrato dos horrores ocorridos no Haiti, nestes versos de Voltaire, poeta e filósofo francês que os escreveu em 1756, um ano após o grande terramoto que assolou Portugal no dia 1 de Novembro de 1755 e que, dado o grau de devastação e o número de mortes, ficou conhecido como o “Terramoto de Lisboa”, cidade quase reduzida a escombros.
                               Eis aqui um breve extracto do “Poème sur le désastre de Lisbonne”, que foi traduzido e publicado pelo poeta Vasco da Graça Moura, não tanto pelo seu valor literário mas pelo impacto que causou no seu tempo, opondo as suas ideias iluministas de que Deus nada teria tido a ver com isso, à pregação do missionário italiano Padre Malagrida que atribuiu a causa do terramoto a um “castigo divino”. Por seu lado, Rousseau, contemporâneo de Voltaire, embora afirmando que o mal estava na corrupção da “integralidade humana” pela sociedade e pela sua irracionalidade, pela sua incapacidade de manter o carácter original e bom dos filhos do Senhor, não descura um elemento bem pragmático: a dimensão do desastre resultou do urbanismo absurdo que construiu um grande aglomerado de casas de seis e sete andares no centro da cidade. Seja como for, eis o cataclismo de Lisboa (ou do Haiti…), retratado nos versos de Voltaire:
“Descobri, contemplai as ruínas horrorosas,
estes restos, farrapos, as infamadas cinzas,
mulheres, crianças jazendo uns sobre os outros.
Sob mármores partidos, os membros amputados
os cem mil desgraçados comidos pela terra
que, sangrando, despedaçados e ainda palpitantes
jazem sob os seus tectos, morrendo, sem socorro
no horror dos seus últimos dias lamentáveis”.
 
Por esta semelhança e pelos recursos que foi preciso mobilizar para acudir a tão grande desespero, é que o Ministro das Relações Exteriores do Brasil invocou o poema de Voltaire, a propósito da tragédia do Haiti. E o mesmo faço eu, sublinhando que, enquanto agora muitos países do mundo se têm empenhado na ajuda àquelas martirizadas populações, em Portugal, no século XVIII, toda a obra de reconstrução de Lisboa e do resto do país se ficou a dever ao esforço indómito dos portugueses e à determinação dum estadista de génio: o Marquês de Pombal.
Beijinhos dos Vóvós e até à próxima carta.
publicado por clay às 12:39 | link do post | comentar | favorito
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