Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Sábado, 22.09.12

  

Meus queridos netos:

 

            Continuaram, mas agora a poucos quilómetros de distância, no INATEL de Vila Ruiva, uma pequena aldeia muito calma, rodeada por alguns pomares de macieiras, mas que tem apenas uma capela para a devoção popular e nenhuma loja. Eu achava graça às buzinadelas matinais da carrinha do pão, o único rasgo no pacífico silêncio que a torna um aprazível local para descanso.

 

          O INATEL de Vila Ruiva tem, como o de Linhares, no meio dum vasto terreno, menos ajardinado mas com algumas belas e imponentes árvores, e a predominância do rosmaninho a impregnar do seu perfume o ar puro da serra, um palacete mais modesto, sem brasão e que foi doado por um médico filantropo. Esse espaço, talvez para preservar a memória do benfeitor, continua a acolher hóspedes mas, num declive próximo, foi construído “de raiz” um outro edifício, este com a particularidade de começar no limite do espaço plano, onde algumas frondosas árvores abrigam do sol escaldante os carros estacionados. Por meio de escadas ou duma confortável rampa, acede-se ao piso menos um, onde se situam a receção, um moderno bar, a sala de estar com uma televisão de grande qualidade, mesas para jogos e a vasta sala de jantar toda aberta para o exterior e com uma vista magnífica para a Serra da Estrela.

 

            Por meio dum ascensor panorâmico, desdenhado pelos mais jovens que lhe preferiam a escada em aço e artística conceção em ziguezague, mas delícia dos mais idosos, descia-se aos pisos menos dois e menos três, aberto para um vasto espaço limitado por um ribeiro escondido entre árvores verdejantes. Ainda neste piso, além de quartos muito confortáveis e um ginásio, foi criado um original jardim, onde, no meio dum chão feito de seixos rolados pretos e claros lembrando as nossas originais calçadas portuguesas, se erguiam algumas plantas exóticas. Aí se perdia o nosso olhar sempre que utilizávamos o elevador. É uma notável marca de beleza, mas não a única: por todas as paredes se podiam admirar quadros com fotografias de artista que soube escolher, com realismo e bom gosto, aspetos da região: desde o imponente e bem conservado Castelo de Linhares, árvores magnificentes isoladas ou em conjuntos inesperados, até uma linda rosa encarnada a espreitar pela fenda duma parede de xisto. Uma agradável surpresa e, sem exagero, um encanto, que nos surpreendeu agradavelmente e substituía a exposição de pintura que ali se encontrava no ano anterior.

 

            Aqui, as piscinas ficavam a poucos metros do meu quarto, no piso menos dois, o que me proporcionou aprazíveis momentos de repouso ou a leitura de livros que tinha levado e esperavam, ansiosos, a hora de serem lidos.

 

           Além de ter valorizado a minha intenção de descanso, a pensão completa, (um buffet com abundante e variada comida, desde as entradas às muitas e variadas sobremesas e muita fruta) não podia ficar esquecida pois, se “nem só de pão vive o homem”, também a fome não é uma boa condição para apreciar paraísos como este.

 

            Lisboa, 21 de Setembro de 2012

 

            Clementina Relvas

 

Solar de Vila Ruiva, cedido ao Inatel e inserido numa quinta de 3 hectares
 
Busto do doador do Solar à  C. M. de Fornos de Algodres

 

Piso -1 com acesso aos Pisos -2 e-3
Piso -3. Ao fundo o elevador panorâmico
 
 
publicado por clay às 12:17 | link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 17.09.12

Meus queridos netos:

 

            Só agora que, devido a várias complicações de saúde multiplicadas com a idade, me vejo inibida de fazer tantas coisas que dantes me enchiam os dias e a vida, é que reconheço a verdade contida num célebre verso de Camões: "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".

 

            Não leio com tanta avidez e prazer, não me atraem como atraíam os bons programas de Televisão, nem sequer o convívio com as amigas, quase todas com a minha avançada idade e os respetivos achaques.

 

            Com a mobilidade diminuída por dores e desequilíbrio, raramente saio à rua e sempre de carro e amparada ao Vôvô, que tem sido o meu Anjo da Guarda aqui na Terra.

 

            Eu, que tanto viajei pelo mundo, fascinada pelas muitas maravilhas que Deus espalhou por toda a parte com a Sua generosidade, passei este ano as duas primeiras semanas de Agosto, o mês de férias da minha empregada, muito bem instalada em duas unidades hoteleiras do INATEL, recentes e acolhedoras.

 

            Nesta época que estamos a atravessar, com o país em crise profunda e tantos desempregados, alguns tendo atingido já o limite da sobrevivência ameaçada, eu dava e dou graças a Deus pela minha situação privilegiada, procurando partilhar os meus recursos, reduzidos pelas leis, principalmente com familiares doentes ou desempregados.

 

Com o coração aflito mas procurando manter limpos os olhos para tanta beleza, mesmo sem sair de casa ou em pequenos passeios de carro, bastava uma verde e frondosa árvore ou uma viçosa flor, para o meu coração se refugiar nas lembranças passadas em que nunca me poupava a esforços para usufruir de todas as maravilhas ao meu alcance, que fui acumulando em fotografias e, a maior parte delas, no recôndito do meu coração.

 

            Disse: mesmo sem sair de casa. O hotel onde o Vôvô e eu passámos a primeira semana, era um antigo solar brasonado, na encantadora aldeia de Linhares da Beira, restaurado com todo o esmero, o que lhe acrescentou a comodidade e a beleza. O nosso quarto, como outros mais, tinha acesso direto a um autêntico parque por uma porta que obrigava a vencer uma alta base de granito, que eu só conseguia fazer com a ajuda do Vôvô . Mas, ultrapassado esse obstáculo, era o paraíso: um espaço privativo, com uma mesa e duas cadeiras, para ler ou descansar gozando a inesquecível vista da Serra da Estrela, relvados com sombras para mudar a perspetiva, roseiras em flor, aloendros brancos e vermelhos era o que podíamos ver e desfrutar numa metade do parque; a outra metade era ocupada por uma imensa pérgula ovalada, erguida sobre fortes barras de aço saídas dum contínuo renque de opulentas hortenses ostentando flores enormes, de cores tão variadas e opulentas como eu, que conheço os Açores de ponta a ponta, penso jamais ter visto. A pérgula estava a ser recoberta por hera (a sua construção era recente) e o chão, com a parte central relvada e dois caminhos laterais de xisto, convidativos a pequenos passeios, eram protegidos por muros que permitiam, neles encostados, ver uma parte da vila, o seu bem preservado castelo, os campos agrícolas e, bem lá ao fundo, a já referida panorâmica da Serra da Estrela.

 

            Era um refúgio privilegiado, onde todas as dores e preocupações se atenuavam. E havia quatro espaços igualmente cuidados, no mais baixo dos quais se situavam as piscinas, mas a que o acesso, feito por antigas escadarias exteriores, me privavam de frequentar e de me deliciar com as brincadeiras e "chalrices" de crianças e bébés. Então, ocupava-me o espírito com os tempos em que o mar e a praia, para mim, que nasci em Trás-os-Montes, eram uma verdadeira dádiva de Deus.

 

            Apesar de "limitada", muito tenho ainda para vos contar, o que farei em breve. Como gostaria de vos ter então (e agora) junto de mim!

 

            Beijinhos, muitos, da Vóvó e do Vôvô

 

                                                           Clementina

                                               Lisboa, 13 de Setembro de 2012

 

 

 

 

 

 

 

publicado por clay às 11:55 | link do post | comentar | favorito
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