Meus queridos netos:
Terminado o ano lectivo com tão bom aproveitamento, fomos buscar os nossos filhos a Tondela e, antes de regressarmos a Portalegre, não podíamos deixar de passar por Lisboa para completarmos o seu conhecimento do património artístico.
Assim, visitámos com eles o Mosteiro dos Jerónimos – a belíssima Igreja de Santa Maria de Belém, erguida sobre uma ermida chamada, por D. Henrique, ermida dos Reis de Belém, o que explica o facto de ele se encontrar representado no magnífico painel da capela-mor, onde se encontram os túmulos de D. Manuel e D. Maria, sua esposa, do lado do Evangelho, bem como os de D. João III e D. Catarina, do lado da Epístola e ainda o túmulo de D. Sebastião. A ampla nave acolheu, mais tarde, os túmulos de Vasco da Gama e de Luís de Camões, símbolos máximos da nossa epopeia marítima. No piso superior do coro alto, admirámos o magnífico cadeiral, uma das mais importantes obras de talha renascentista. Também a sacristia, situada ao lado do Cruzeiro, mereceu bem a nossa visita, não só pela mestria e originalidade da construção, mas também por nela se encontrarem vários quadros representando, na maioria, a vida de S. Jerónimo. Na Sala do Capítulo, detivemo-nos um pouco diante do túmulo de Alexandre Herculano, que foi de Santa Maria de Belém. A construção do Mosteiro, iniciada em 1501 ou 1502, foi dirigida, primeiro por Diogo Boitaca e por Francisco Arruda , ficando a parte escultórica (que sofreu alterações no decorrer dos séculos), a cargo do célebre escultor francês Nicolau de Chanterène, depois substituído pelo não menos conhecido, João de Ruão.
Não podíamos deixar de visitar demoradamente o Claustro, em dois andares sobrepostos, e com uma exuberante decoração, de peixes, cordame, âncoras e outros elementos do estilo manuelino mas onde sobressai a sequência de dez medalhões, representando os Instrumentos da Paixão de Cristo. É no Claustro que se encontram os restos mortais de Fernando Pessoa, para aí trasladados em 1965, em reconhecimento da importância do seu livro Mensagem, onde, tal como Camões, faz reviver os feitos heróicos dos portugueses e a grandeza de Portugal. E Aos rapazes não passou despercebida uma mão a segurar um feixe de plantas, que todos os visitantes querem tocar, o que manifestamente a tem desgastado.
No dia seguinte, percorremos, palmo a palmo, a Torre de Belém, mandada construir por D. Manuel I para substituir a nau, habitualmente fundeada a meio do rio Tejo, para proteger aquela parte da cidade de ataques inimigos. A Torre de Belém, com a Fortaleza de Cascais e a de S. Sebastião, em Porto Brandão, constituía uma triangulação de tiro de grande eficácia. Composta por um baluarte quase ao nível da água, destinado a fins claramente militares e uma Torre que evoca a época cavaleiresca, é um dos monumentos mais belos da Europa. Foi mandada construir, em 1515, por D. João II, ao Mestre Francisco de Arruda, e é um belo exemplo do estilo gótico tardio, mais conhecido por manuelino como o que encontramos no Mosteiro dos Jerónimos. O baluarte ou casamata tal como o resto do monumento tem decoração plateresca, com motivos fantásticos, como a face monstruosa dum ser híbrido que se encontra junto à base da esplanada, que nos proporcionou uma vista deslumbrante da margem sul do Tejo. A Torre é dividida em quatro andares: o primeiro é completamente liso mas tem, da parte de fora, um nicho com uma imagem de Nossa Senhora e o Menino e era a sala do Governador; o segundo, a sala dos Reis, apresenta um balcão corrido, saliente, com sete arcos de volta perfeita; o terceiro encontra-se decorado com duas enormes esferas armilares com as armas Portugal entre as duas janelas; o quarto também é completamente liso e ligeiramente recuado, sendo a sua base decorada por merlões em forma de escudos. O topo da Torre é marcado nos vértices por guaritas semelhantes às do baluarte mas mais pequenas e coroado por ameias de topo piramidal.
As restantes fachadas são discretas, sendo no entanto de assinalar as janelas geminadas e balcões salientes. Na fachada norte, as guaritas, encontra-se um nicho com baldaquino, protegendo as imagens de S. Vicente (padroeiro de Lisboa) e a de S. Miguel Arcanjo.
Numa das mísulas que serve de suporte a uma guarita, encontra-se representado o rinoceronte, oferecido pelo sultão de Cambaia a D. Manuel e depois, por este, ao Papa Leão X, na célebre embaixada portuguesa a Roma, em 1514. A última sala, também conhecida por capela a mais pequena, é também a mais notável do ponto de vista arquitectónico e apresenta um pavimento em xadrez preto e branco. Quanto à restante decoração, é tão exuberante, que ficou um pouco ofuscada pelas esferas armilares e a Cruz de Cristo, motivos recorrentes neste notável monumento.
Os rapazes fizeram questão de serem fotografados na esplanada do topo, tendo por fundo as guaritas com as suas cúpulas de gomos, encimadas por cinco bolas (ou balas…), as ameias e o Tejo como pano de fundo.
Para terminar esta visita, fomos até ao Monumento das Descobertas, onde o Zé o Quim, quiseram subir, para tocar as estátuas dos nossos heróis, dispostas, em fila, atrás do seu grande mentor, o Infante D. Henrique.
Completaram essa lição de Historia de Portugal com a visita ao Museu da Marinha: aprenderam a distinguir as naus dos galeões e das caravelas e verificaram que, não só no passado, os portugueses foram os destemidos viajantes a quem o mar nunca meteu medo, fosse desafiando as lendas assustadoras dos confins do Mundo, fosse vencendo os perigos do mar gelado até à longínqua Gronelândia, nas prolongadas campanhas da pesca do bacalhau. E descobriram, com espanto, como a nossa arte de marinharia tinha suscitado génios não só no domínio da cartografia, mas em todos os domínios científicos com ela relacionados, com particular admiração para o astrolábio, do nosso sábio Pedro Nunes.
E ficamos por aqui, procurando não esquecer quanto vimos e aprendemos.
Beijinhos da Vóvó
NOTA: Muitos dados desta carta foram colhidos no livro PORTUGAL, PATRIMÓNIO MUNDIAL, que me avivaram a memória e despertaram em mim o desejo de voltar a visitar, agora mais detidamente, estes dois símbolos da nossa grandeza.