Nunca pensei que os "olhos do meu coração, no dizer de S. Paulo, revelassem pormenores por mim julgados completamente esquecidos...
Sexta-feira, 05.03.10

 

Casa-Museu Frederico de Freitas - Madeira

Virgem com o menino adormecido

Pintura do Século XVII de Giovanni Baptista Salvi

 

                Meus queridos netos: 
 
                            Comecei o mês de Março com a realização dum desejo, que já receava não se concretizasse: visitar, no Palácio da Ajuda, na Galeria do Rei D. Luís I, a exposição comemorativa dos Quinhentos Anos da História da Madeira, temporariamente aberta ao público.    
                               É uma exposição muito bem organizada, mostrando, com clareza e sabedoria, alguns dos mais importantes espécimes de arte sacra dos Museus da Madeira: o Museu de Arte Sacra do Funchal, instalado no antigo Paço Episcopal, o Museu da Quinta das Cruzes e a Casa-Museu Frederico de Freitas, antigas residências senhoriais adaptadas à mostra de obras de arte.
 
                               Ao entrar na Galeria, chamou-me logo a atenção uma pequena pintura representando três rostos iguais, vistos de frente, e cujo misterioso significado, apesar da pesquisa na Internet, não consegui descobrir. Tem por título O Mensageiro e talvez seja uma representação, muito original, da Santíssima Trindade. Será? E também um S. Sebastião em pedra de ançã, muito mutilado, dos inícios do séc. XVI.
 
                               Nesta primeira sala, integrada no “ciclo do açúcar”, há também exemplares de cones onde se moldavam os pães de açúcar que, no século XVI, eram exportados para outros países, até que, com o reinado dos Filipes e a invasão, por potências estrangeiras, dos nossos mares essa rentável indústria entrou em decadência. Foi, no entanto, da Ilha da Madeira que saiu a tecnologia açucareira para S. Tomé, as Antilhas e o próprio Brasil que, mais tarde, ia ser o abastecedor da indústria de doçaria e de frutos cristalizados. O açúcar do Brasil vinha dentro de caixas, feitas de preciosas madeiras da Mata Atlântica e as enormes tábuas com que se faziam essas caixas, foram um material de excepção na mão dos carpinteiros locais, que, com elas, construíram aparadores que ficaram conhecidos pelo nome de caixa de açúcar. Provenientes do Museu da Quinta das Cruzes, podemos apreciar alguns desses móveis, embora muitos tenham ido para a Flandres, região com que a Madeira teve muitos e lucrativos negócios.
 
É essa a principal explicação para a presença, nesta mostra, de vários e magníficos exemplares de arte flamenga ou nela inspirados, como o encontro de Santa Ana e S. Joaquim defronte da Porta Dourada ou o imponente S. Nicolau, bispo de Mira e que ilustra a capa tanto do folheto como do valioso catálogo da Exposição. Nela encontramos quadros inesquecíveis, como uma Natividade de inspiração rafaelita, com uma Nossa Senhora de admirável beleza, S. José e claro, o Menino Jesus, todos rodeados por anjos encantadores. Também me cativou vivamente um quadro onde o Menino Jesus está, adormecido, ao colo de Nossa Senhora, o Martírio de Santa Úrsula e das Onze Mil Virgens, as muito impressivas representações de S. Pedro, S. Paulo, S. Tiago, S. Bento. E há, também, alguns notáveis exemplares de pintura social: um retrato, pintado talvez na Flandres, no séc. XVII, do 3º Marquês de Castelo Rodrigo, bem como uma cena de taberna, de inspiração holandesa. Da Quinta das Cruzes veio ainda uma notável colecção de pequenos quadros (pinturas e aguarelas), representando paisagens, costumes e trajes da Madeira do séc. XIX, de quando já imperava o ciclo do turismo.
 
                               Impressionante, também, é a beleza das alfaias em prata, de que sobressai, pelo seu tamanho e esmero artístico, uma urna da ourivesaria de Lisboa, do séc. XVIII, encimada por um magnífico Agnus Dei e o Seu estandarte. Mas há ainda candelabros notáveis, ou melhor, os enormes anjos que os empunhavam e duas cruzes processionais, uma delas oferecida pelo rei D. Manuel I à Sé do Funchal.
                               Claro que todas estas obras de arte e muitas outras que não me é possível enumerar, não se encontram assim, a esmo, como nesta minha descrição: acompanham os ciclos de desenvolvimento da Ilha. Depois do ciclo do açúcar de que falei logo de início, veio o ciclo do vinho, especialmente do vinho generoso. A casta mais apreciada era e é a malvazia, assim chamada por ter tido origem, tanto quanto se sabe, em Napoli de Malvazia, ainda na Idade Média. Tendo-se perdido aí, foram os madeirenses buscar os vidonhos à Ilha de Creta e dela fizeram um vinho de renome mundial. Exportado para muitos países do Mundo, desde a Inglaterra, à América e à Rússia, é citado por autores célebres como Shakespeare e Tolstoi, em livros imorredoiros.
                               Neste ciclo priveligiam-se as relações com a Inglaterra e a França e daí a presença de mobiliário proveniente destes países, como cadeiras de braços, escrivaninhas, uma mesa de estrado, etc. Mas não faltam porcelanas Ming, um cofre goês, feito de tartaruga, madrepérola e prata e até azulejos de Sevilha, trazidos nos barcos que faziam carreira para Acapulco.
                               Sobretudo no séc. XIX, deu-se um grande incremento do turismo: atraídos pelo clima ameno e discutíveis qualidades terapêuticas das águas madeirenses, estiveram na Ilha célebres personagens da sociedade europeia, entre as quais a Imperatriz Elisabeth da Áustria, que já no meu tempo se tornou muito popular. Era a personagem romântica Sissi, o apelido por que era conhecida, interpretada por Romy Schneider. E, já no séc. XX, além do crescente turismo de massas, passou muitas temporadas no Hotel Reid’s, o famoso herói da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill, que na Madeira encontrou, como muitos outros viajantes, inspiração para a sua pintura e o bem merecido descanso para todas as canseiras passadas.
                               Foi o terceiro ciclo do desenvolvimento madeirense, que lhe deu renome mundial pela beleza natural das paisagens, assim como pela afabilidade e alegria das suas gentes. Este ciclo, agora tão dramaticamente marcado pela terrível catástrofe que já referi no meu anterior blogue, em breve retomará o seu esplendor como o merecem os seus esforçados habitantes.
                               Beijinhos, incontáveis, dos Vóvós
 
publicado por clay às 15:57 | link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 01.03.10

  

Estrelícias - Flor abundante na Madeira

 

Meus queridos netos:

 

Ainda há tão pouco tempo lamentava, neste mesmo espaço, a tragédia que quase aniquilou o Haiti, onde tantas pessoas perderam a vida, levadas por um sismo devastador que encheu de horror e compaixão, traduzida numa imensa onda de solidariedade, gente de todos os cantos do mundo e eis que, no fim da semana passada, a desgraça veio bater à nossa porta: chuvas diluvianas abateram-se sobre a Ilha da Madeira, transformando, em cerca de uma hora, aquele paraíso de vegetação luxuriante, hotéis de luxo, bonitas moradias e um povo alegre e acolhedor, num caos de lama e de lágrimas.


De facto, para quem, como o Vôvô e eu, conhecia a beleza daquele autêntico presépio, com o casario a trepar pelas encostas, a sua incomparável costa marítima, pontuada por tantas povoações airosas, floridas e impecavelmente cuidadas, a sua floresta de laurissilva, já classificada como património da Humanidade, a variedade de frutos e de flores, em grande parte exóticos, como que a estabelecer a ponte entre o Continente e as terras de África, era quase insuportável ver aquelas avalanches de lama e enormes pedras, precipitando-se das terras altas em direcção à cidade, fazendo transbordar as ribeiras, inundando casas e ruas num autêntico dilúvio inesperado e dramático.


Viam-se estradas subitamente aluídas, carros a serem arrastados pela corrente imparável que se erguia, aqui e ali, em altas vagas, fazendo fugir, aterrorizadas, as pessoas apanhadas desprevenidas ou então, cheios de enormes pedras, com os vidros estilhaçados e as carroçarias reduzidas a sucata, rodeados por um mar de lama e de destroços. Não se podia acreditar! Mais parecia um filme-catástrofe mas, infelizmente, tudo era bem real.

 

 Viam-se pessoas, despojadas de todos os seus bens, lamentarem não tanto os prejuízos sofridos como os familiares ou amigos a que a catástrofe tinha tirado a vida ou se encontravam desaparecidos, com poucas probabilidades de virem a ser salvos. Pelo menos duas famílias tinham perdido sete dos seus oito membros…


Mas, sempre no meio destas calamidades há manifestações de que o homem, no fundo de si mesmo, guarda um grande tesouro de bondade: de solidariedade, de compaixão e até de heroísmo como aquele bombeiro voluntário que, depois de, com muito custo, ter conseguido pôr a salvo cinco familiares, não pôde ficar indiferente aos pedidos de socorro duma vizinha. Sabendo bem o perigo que corria, voltou atrás para a ajudar e ambos foram engolidos pela enxurrada. Foi hoje a enterrar. Um herói do nosso tempo e da vida quotidiana.
Isto para não falar dos inúmeros apoios que têm chegado de todo o lado ao quartel do exército que foi o primeiro refúgio para os que tudo perderam e aí acharam um tecto, refeições quentes, roupas e carinho.


Milionários dispuseram-se a fazer grandes doações para a reparação dos estragos, pessoas modestas retiraram alguns euros do pouco que tinham para os seus gastos e, pasme-se! até os políticos que há poucos dias se “engalfinhavam”para retirar ao orçamento da Madeira uns milhões que achavam exagerados, se deslocaram ao local da tragédia e…fizeram as pazes.


E ele há coisas! Então não é que um chorudo Totoloto saiu, inteirinho, a alguém que, exactamente nesse infausto dia, tinha registado o seu boletim numa tabacaria da Madeira? Esperemos que, também essa pessoa, se disponha a partilhar a sua boa sorte com as vítimas de tão impressionante catástrofe.


Beijinhos da Vóvó e do Vôvô


24/02/2010

 


publicado por clay às 15:11 | link do post | comentar | favorito
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